Depois da visita à simpática cidade colonial de Vigan, regressei à capital das Filipinas, Manila. Desta feita, não de passagem como em ocasiões anteriores, em que passava sempre com o objetivo de me dirigir a outros destinos, desta vez após quase dois meses vim para a despedida do país. Quando cheguei à metrópole tive que apanhar um táxi do terminal de Cubao até à zona de Malate, local onde tinha marcado um poiso barato – Wanderers Guesthouse – e depois dessa travessia, em que discuti acesamente com o taxista – que estava a tentar enganar-me – decidi que apenas voltaria a apanhar um táxi, no dia em que fosse para o aeroporto! Em Manila, passei quatro dias praticamente em modo de espera, uma vez que Myanmar, o meu último país desta viagem, estava ao “virar da esquina” e eu esperava ansiosamente por esse momento. Nesses dias, conheci alguns backpackers italianos simpáticos; assisti a jogos de futebol; visitei o enoooooooooorme Robisson Mall; escrevi para o blogue; atualizei o caderno; vi muita pobreza nas ruas, pedintes, prostitutas atiradiças, pessoas a dormir no chão, inclusivamente famílias inteiras!; visitei a antiga zona de Intramuros: a catedral de Manila, o Forte de Santiago, a muralha super robusta e muito bem conservada; encontrei um restaurante com comida deliciosa e cujo staff era muito prestável e bem disposto; na companhia de nativos fui até ao gigantesco mercado de Hangganon na zona de Baclaran; joguei algumas vezes computador com um rapaz filipino; rearrumei a mala; comprei mantimentos para a travessia para Myanmar; troquei pesos por doláres; e apanhei um táxi para o aeroporto, desta feita para a despedida das Filipinas, calhou-me em rifa um taxista honesto e pacífico.
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Uma Geografia. Uma Fotografia: Vigan
Depois da visita às múmias de Kabayan, os meus companheiros de viagem deixaram-me em Baguio e aí rapidamente apanhei um autocarro para a cidade colonial de Vigan, mais a Norte, mas já junto à costa. Depois de cinco horas de viagem, cheguei à cidade já de noite e uma vez que na cidade estava a haver uma convenção de Medicina, encontrar um quarto foi extremamente complicado! Depois de duas horas de deambulações, lá conseguir arranjar um poiso na Residencial Mojica e finalmente nessa altura, consegui relaxar um bocado. Após uma semana de mudanças de poiso constantes na zona da cordilheira de Luzon, local de muitas montanhas e verdes florestas, chuva, rios e cascatas, e claro muitos terraços de arroz, mudar-me para Vigan foi como um bálsamo. Nesta cidade, património da UNESCO, para além de encontrar muita tranquilidade, encontrei a arquitetura espanhola mais bem preservada de toda a Ásia! Aqui, voltei literalmente ao passado: as casas de traços coloniais e de múltiplas cores, a “calçada”, as ruas, as igrejas, as praças, os jardins, as charretes a cavalo… em Vigan, tirei fotografias de dia e de noite; encontrei uma cidade escaldante; vi torneios de basketball – o desporto nacional das Filipinas – ao final da tarde, com multidões a assistir; comprei recuerdos religiosos; comi empadas deliciosas; visitei a igreja barroca de Santa Maria, onde me deparei com um casamento e a playa d´ouro, onde encontrei uma areia negra em brasa e pescadores com quem puxei redes; tomei múltiplos duches para refrescar; escrevi; deambulei sem pressas; e observei a bonita luz do final do dia e os habitantes a aproveitar as praças da cidade e a tranquilidade dos dias.
Uma Geografia. Uma Fotografia: Kabayan
O meu último destino, na RAC era Kabayan e as suas múmias. Desse modo, voltei a apanhar um autocarro em direção a Sagada, porém desta feita, apenas fiz uma hora e meia de viagem, e numa interseção com a estrada principal, fui deixado pelo prestável motorista. De monstrinho às costas e sempre a subir em rampas muito inclinadas, andei durante meia hora! Até decidir que se continuasse naquele ritmo não iria conseguir chegar às grutas de Kabayan que ficavam a mais de cinco quilómetros da estrada principal. Quando encontrei uma casa perdida naquela paisagem montanhosa, pedi aos seus donos para me guardarem a mochila e bem mais leve continuei a andar. Passados poucos minutos, passou uma carrinha amarela a quem pedi boleia e a bordo deparei-me com um grupo de montanhistas filipinos que iam para o mesmo destino! Perfeito! Foi deste modo, que visita às múmias de Kabayan, foi realizada na companhia de um alegre grupo. Acompanhados de um nativo que protege o local, percorremos um curto e agradável trilho no meio de um pinhal, e numas pequenas grutas com portas fechadas a cadeado, que foram abertas para nós, encontrámos no interior de pequenos caixões, múmias em posição fetal – crença de voltarem à barriga materna. Foi com eles que voltei a Baguio, ainda parando durante a viagem para almoçar, sendo à mesa e com gastronomia tradicional filipina que terminei a minha visita à RAC.
Uma Geografia. Uma Fotografia: Banaue
Depois da visita à aldeia de Batad e aos seus terraços perfeitos, e do trekking do dia anterior, a visita aos terraços de Banaue afigurava-se como uma mera “formalidade” para concluir esses dias felizes na Região Administrativa da Cordilheira (RAC). Porém, mesmo estes revelaram bastante beleza e na travessia pelo seu interior, tive de contratar os serviços de dois miúdos de palmo e meio, Dave e Nick muito engraçados! Com eles percorri aquela verde paisagem, em passo relativamente rápido – os miúdos tinham asas nos pés -, fui fazendo alguns equilibrismos e tirando algumas fotografias em redor.
Do reino do culto dos mortos, parti bem cedinho para a cidade de Bontoc, onde rapidamente arranjei uma guesthouse. Resolvida a questão do poiso e do “monstrinho”, apanhei um jeepney montanha acima, até à aldeia de Maligcong que ficava apenas a cinco quilómetros de distância, mas que fruto da estrada muito esburacada e da topografia acidentada, demorou mais de meia hora a ser alcançada. Na aldeia, estive toda a manhã em deambulações e aí tive a oportunidade de observar pela primeira vez, e verdadeiramente uns terraços de arroz made in Filipinas. Na aldeia encontrei terraços muito verdes e simultaneamente, cheios de água e reflexos. A paisagem era muito tranquila, serena e harmoniosa, e para além de mim, só se viam camponeses nos seus afazeres: cortar ervas, reconstruir terraços com lama, plantar arroz…
Uma Geografia. Uma Fotografia: Sagada
Cheguei a Sagada, quando a noite já cobria a terra. Nessa altura, fiquei no primeiro quarto que encontrei, uma vez que estava sem muita paciência para procurar mais. Afinal tudo o que queria, era tomar banho e repousar do cansaço acumulado das viagens dos dias anteriores, Donsol – Sagada, a travessia de aproximadamente mil quilómetros. De sul para norte. Na ilha de Luzon. Na vila, fiz um trekking interessante na companhia de Mr. Ingo, um guia local com quem fui até ao vale do Eco. Durante o percurso passámos por algumas paisagens bonitas e agradáveis: pinheiros, plantações de café, um rio subterrâneo, uma caverna, uma mini-cascata, arrozais, sobe e desce em colinas, zonas escorregadias de rocha e lama, formações calcárias, cursos de água e à semelhança do que encontrei em Tana Toraja, caixões suspensos em grandes paredes de rocha. Depois de regressar ao centro da vila, enveredei sozinho estrada fora até encontrar a fantástica entrada da Semeangui Cave – caverna grande – e daí parti em busca da Lemagui Cave – caverna dos enterros, onde encontrei múltiplos caixões antigos de madeira a apodrecer e onde já começavam ossos a despontar. Ao despedir-me de Sagada, pensei: “adeus, vila tranquila e serena. Adeus, inesquecíveis cavernas. Adeus, antigo culto dos mortos.”
Uma Geografia. Uma Fotografia: Coron
Nos arredores da ilha de Coron, tive dois dias de mergulho intenso num ambiente pesado e sombrio de navios japoneses afundados durante a Segunda Guerra Mundial e aí senti um nervoso acrescido por ter entrado pela primeira vez debaixo de água, em espaços realmente confinados. Neste mundo submerso, senti o lado “negro” do mergulho, principalmente no navio Irako onde atingi a minha profundidade máxima -trinta e oito metros e meio. Porém, mesmo naquele mundo de trevas, existia luz e sempre que esta penetrava pelas frinchas e buracos existentes naquelas estruturas de aço gigantes, parecia que estava numa catedral sub-aquática! Fenomenal! Inesquecível! Para além disso, observar “algo” feito pelo homem, onde se pode ver vestígios da sua presença – as cargas inalteradas dos navios afundados – e onde ainda existem componentes que funcionam, tais como válvulas e torneiras, é algo de inolvidável. Na ilha, para além desses mergulhos míticos, tive serões animados, regados a rum e cola, na companhia dos meus companheiros de viagem e de dois engenheiros Irlandeses; vi procissões noturnas onde as velas dos fiéis iluminavam e espalhavam uma luz mortiça pelas ruas escuras da vila; visitei de barco uma praia de sonho, rodeada de rochas mágicas, negras como o breu e repleta de águas cristalinas e transparentes que brilhavam como safiras e esmeraldas; tive um delicioso jantar festivo onde o caranguejo e o camarão foram reis e senhores; e tive um reencontro com o passado… Numa daquelas noites festivas, ao sair dum bar na companhia de Arnold – gerente de um resort que trabalhava na ilha – encontrámos um nativo, que o conhecia e que nos convidou a ir até ao cemitério, para fazer uma homenagem fúnebre. Arnold imediatamente e de uma forma rude, declarou que não ia, mas eu naquele momento senti algo que me impeliu a acompanhar o nativo. Comprei umas velas, ele umas cervejas, montámos um tuk-tuk e quando estávamos prestes a partir, o Arnold acabou por se dignar a acompanhar-nos. Na escuridão da noite, seguimos estrada fora e depois de uma viagem que não sei precisar quanto demorou chegámos à entrada do cemitério. Aí, passo a passo e silenciosamente, penetrámos naquele espaço vasto, negro e sereno, até chegarmos à campa. Assim que chegámos, Arnold deitou-se na campa do lado e adormeceu pesadamente. O seu ressonar competia em decibéis, com a pirosa música de discoteca que era projetada pelo seu telemóvel. Como estátuas de mármore e alheios a esse facto, acendemos uns cigarros e as velas, abrimos as cervejas e fizemos uma homenagem fúnebre e sentida à sua esposa e ao seu filho – que tinham falecido há um ano. Depois desse momento, dentro de mim, algo se quebrou. Repentinamente, lembrei-me do meu pai e das saudades que sentia dele. Longe de Portugal, longe de todas as pessoas que conhecia, um pouco tocado pelos copos bebidos e sem filtros e barreiras de espécie alguma, comecei a chorar… De joelhos agarrado àquela campa, larguei um peso que carreguei durante quase dezassete anos. Chorei, chorei, chorei. Chorei baba e ranho. Chorei durante largos minutos e não houve nenhum travão que parasse as lágrimas. Apenas quando senti uma leveza a ressoar dentro de mim, parei. Nesse momento, passei as mãos pelos olhos, desajoelhei-me e abracei o nativo. Naquele cemitério perdido das Filipinas, dois “orfãos” de lados opostos do nosso planeta, foram irmãos durante momentos. Juntos partilharam uma dor comum. A dor da perda e juntos reencontraram um calor e uma luz humana, que aqueceu e iluminou a escuridão da noite e o frio da morte…
Depois dos dias passados em Boracay, tentei seguir para a ilha de Coron, porém e como apenas existia barco para dali a três dias, improvisei um plano alternativo partindo para a ilha de Palawan. Na longa travessia marítima que separou Iloilo e Puerto Princesa, acabei por realizar uma agradável paragem na bonita e tranquila ilha de Cuyo, que psicologicamente fez uma enorme diferença, pois permitiu aliviar todo aquele tempo passado a bordo…
Uma Geografia. Uma Fotografia: Boracay
Amanhã ilha de Boracay, marcou oficialmente o meu início nas Filipinas e antes de chegar sabia que a mesma era super turística – confesso que isso me preocupava um pouco, uma vez que receava encontrar uma miniatura de Bali, mas sem a possibilidade de escapar para zonas tranquilas, uma vez que a ilha tinha uma dimensão bastante reduzida. Felizmente essa idea pré-concebida não se veio a materializar e de Boracay vou guardar vários momentos no coração e na memória: a muito movimentada e turística White Beach com areia em pó, mar de águas frescas – quando comparando com a Indonésia… – e azuis lindíssimos, palmeiras e inúmeras embarcações tradicionais; o “meu” paraíso “privado” e tranquilo de águas de infinitos azuis e verdes, Puka Beach, localizada no norte da ilha; as múltiplas festas; as deambulações pelas praias e pela ilha que me deram a oportunidade de ver quão simpático e caloroso o povo Filipino pode ser – mesmo numa ilha tão turística como Boracay; a extraordinária panorâmica do ponto mais elevado da ilha, o monte Luho; as múltiplas e fabulosas refeições num restaurante super escondido; o fabuloso hostel MNL – sem dúvida um dos melhores hostels de toda a viagem… mas de Boracay, a ilha do party Bum, o que guardarei com mais carinho serão sempre as múltiplas pessoas com quem me cruzei e que conheci, tanto os simpáticos nativos, entre eles Jason, como os turistas: o argentino Matias; a chilena Sofia; os canadianos Justine e Derek; a sul coreana Yang; as alemãs Ann e Yann, o americano Tadd, o israelita Denis, as belgas Kathlynee e Sonya, o espanhol Carlos, a chinesa Ni Ni, os inúmeros ingleses “loucos”, mas principalmente o colombiano Filipe –– com quem estive durante mais de duas horas, sentados no mar a falar sobre a Austrália – os fantásticos brasileiros Bruno e Bárbara, o porreiríssimo alemão Alex, o médico inglês, John com quem falei inúmeras vezes, durante horas e que me fez ficar com vontade de ir até à ilha de Palawan e a simpatiquíssima chinesa Jessie. Uma autêntica sociedade das nações…
Uma Geografia. Uma Fotografia: Lemo
No último dia passado na presença dos Tana Toraja, estive em Lemo onde ao procurar mais um local de túmulos, encontrei crianças vestidas com trajes tradicionais. Instantaneamente pensei: “outro funeral!?”, mas depois de encontrar dois jeeps ornamentados, respondi-me em pensamento: “Naaaaaaaaaaa… casamento!” Depois de uma visita agradável, aos túmulos e quando regressava à estrada principal, fui convidado por um membro da família a assistir a cerimónia e foi-me dito para me dirigir à igreja/capela da vila. Uma vez mais, e fruto da boa sorte, estava a caminho de um casamento em Tana Toraja! A cerimónia de cariz protestante, foi simples mas bonita e falada em dialeto local. O pastor era uma figura carismática e pôs quase toda a plateia a escutá-lo com atenção, enquanto que nos noivos se podia observar um grande nervosismo mas bastante felicidade. Depois da cerimónia, fui convidado a juntar-me à parte da festa e fiquei admirado com a enorme quantidade de pessoas presentes, parecia que toda a aldeia tinha sido convidada! Aí, vi o desfilar de um loooooooongo cortejo de casamento, e observei o ambiente da festa, as danças e as dançarinas, o bolo a ser cortado pelos noivos – que nessa altura já envergavam trajes tradicionais – os múltiplos retratos com os convidados – iguais em qualquer parte do mundo – e comi uma vez mais a deliciosa, comida tradicional dos Tana Toraja. Assistir a tal momento e ver um casamento por terras do Oriente, fez-me sentir um privilegiado e deixou-me uma vez mais, realmente feliz! Em jeito de súmula, nos cinco dias que estive na presença desta tribo, tive o prazer de confraternizar com pessoas super hospitaleiras e genuínas, tendo o privilégio de observar um pouco as suas tradições. No meio daquela paisagem bela: arrozais, montanhas e vales, florestas de bambu, sol, nevoeiro, chuva, muitas nuvens… encontrei cavernas cheias de túmulos, caixões e ossadas… um funeral com sacrifícios de búfalos e porcos, trajes, música e cânticos tradicionais, um casamento… na despedida, senti-me realmente uma pessoa com sorte! Na Indonésia, ilha de Sulawesi, em “Torajilândia”, fiquei com a certeza que para esta tribo o funeral é o mais importante de todos os rituais. Mais importante que o casamento. Mais importante que o nascimento. Este é o reino, onde os mortos são mais importantes do que os vivos.