Categorias
Reflexões

Ideias soltas sobre a Malásia

Quando cheguei à Malásia vindo da Tailândia e do seu sul de mafiosices constantes, o facto que mais me surpreendeu foi ver os preços dos transportes afixados e tabelados, como o caso dos autocarros e dos táxis – na grande maioria dos casos. No país a probabilidade de haver enganos nos transportes públicos é por isso muito mais reduzida. 🙂 Isso não significa que não possam existir situações dúbias, por exemplo os barcos em Bako e em Perhentian, onde existe um monopólio associado e as carrinhas de transporte  mini-vans – em Georgetown e nas Terras Altas do Cameron, onde se deve tentar encontrar os preços mais atrativos, pois existe uma grande concorrência entre agências de viagens/transportes.

O símbolo do país está bem patente na nota de 50 MYR  a segunda de valor mais elevado – a palmeira que gera o óleo de palma. A península da Malásia está coberta de hectares e hectares sem fim de palmeiras e infelizmente muita da selva primitiva do Bornéu foi destruída na transformação da paisagem. A verdade é que no mundo atual não existem soluções mágicas. O óleo de palma gera, dinheiro… muito dinheiro! Para além disso substituí-lo é uma tarefa muito complexa, devido ao elevadíssimo número de produtos existentes no mercado – alimentares e não só – que utilizam este óleo na sua composição e a sua substituição pode tornar-se ecologicamente insustentável – o óleo de palma produz quatro a dez vezes mais do que qualquer outra cultura.

IMG_6737

A corrupção – tal como na maioria dos países asiáticos – está muito presente no sistema político e tal situação afeta de forma preocupante e negativa a economia do país. Durante as últimas décadas, muitas decisões foram tomadas de forma leviana e com o objetivo de favorecer certas empresas e indivíduos, em detrimento do bem-comum. Desse modo a Malásia, construiu muitos elefantes brancos e esbanjou um elevado número de recursos naturais. Apesar de no dia-a-dia, em termos gerais, existir uma excelente unidade entre etnias: Malaios, Chineses e Indianos. A unidade da Malásia é abalada pela existência de uma enorme discriminação na atribuição de cargos de estado entre as três etnias, uma vez que os cargos de chefia são quase sempre entregues a cidadãos de etnia Malaia. Tal situação mina a crença das pessoas, na igualdade e na justiça da sociedade.

Entre a Península da Malásia e o Bornéu Malaio, sente-se uma diferença geral de atmosfera. A religião muçulmana diminui em termos de importância e torna-se menos rígida, a religião cristã aparece no mapa e ainda se conseguem encontrar algumas tribos com algumas tradições vivas e raízes antigas. Estas premissas, influenciam de forma decisiva os habitantes da ilha e as pessoas tornam-se no geral mais descontraídas. Para além disso o Bornéu ainda é um espaço mágico e primitivo, onde se podem encontrar alguns pedaços de selva muito antiga, muitos animais selvagens e pessoas muito calorosas e humanas; e desse modo, ficar-me-á para sempre na memória, como um dos locais mais especiais de toda a viagem e onde fui verdadeiramente FELIZ! 😀

Categorias
Crónicas Fotografia Reflexões

Taman Negara? Selva Antiga!

Taman Negara é o maior e o mais importante parque natural de toda a Malásia, pois é aqui que se localiza a floresta primária – selva – mais antiga de todo o planeta!! Uma vez que o degelo que há milénios “tocou” quase todas as áreas do globo não atingiu esta zona. Quando cheguei a Kuala Tahan, não tinha nenhum plano específico para visitar o parque natural, mas como conheci um nativo que me “ofereceu” um bom preço para um trekking de três dias e duas noites na selva com tudo incluído, acabei por aceitar a sua “oferta”. Depois de dormir uma noite num hostel barato nas imediações do parque, fui levado até à casa do meu guia e aí conheci os meus companheiros de jornada – dois rapazes austríacos e um rapaz chinês – e preparei uma mochila, com alguma roupa, um saco de cama, uma esteira e alguns mantimentos. A bordo de um barquito de madeira, atravessámos o rio e fomos até ao HQ fazer o controlo mais ridículo que alguma vez vi na vida, uma vez que tivemos de contar quantos plásticos, baterias, etc… cada um de nós possuía antes de entrar na área do parque – o controlo até poderia ter alguma lógica se fosse efetuado na entrada e na saída, mas como estamos na Ásia, obviamente isso não veio a acontecer! :/

IMG_8239 (FILEminimizer)     IMG_8254 (FILEminimizer)

Terminado o “controlo”, seguimos rio acima até chegarmos à zona da canopy, onde a 45 metros do solo pudemos observar a verde e pernaltuda floresta em redor. Finalizado o emocionante passeio nas alturas, voltámos a embarcar e durante duas horas continuámos até Kuala Trenggan, sendo a travessia de tal modo agradável – permitindo-me observar pequenos mamíferos e enormes e exóticas árvores – que senti um imenso prazer a viajar – “como é possível que viajar não seja das melhores coisas/experiências desta vida?” Antes de penetrarmos na selva e começarmos realmente o trekking, parámos para almoçar.

IMG_8267 (FILEminimizer)   IMG_8268 (FILEminimizer)    IMG_8273 (FILEminimizer)

IMG_8269 (FILEminimizer)      IMG_8272 (FILEminimizer)

O trekking levou-nos para o reino da humidade elevadíssima, das sanguessugas, do suor abundante, da lama, dos riachos e das travessias em estreitas pontes, da clorofila, das árvores milenares, das serpentes venenosas, das rochas estranhas e belas, da selva antiga e primitiva de Taman Negara! 😀 Durante a tarde percorremos em ritmo elevado um trilho de oito quilómetros, colina abaixo, colina acima, atravessando cursos de água, saltando por cima de grandes troncos que bloqueavam o caminho, acompanhados de uma chuva intermitente, penetrando cada vez mais profundamente na selva, até chegarmos ao nosso destino, a caverna de Kepayang Besar. Nessa enoooooorme caverna absolutamente deserta, pernoitámos e foi aí que tive uma das noites mais primitivas e memoráveis de toda a viagem – os morcegos, as sombras projetadas nas paredes da caverna, a fogueira, a comida, a partilha durante o serão, o ambiente íntimo e a solidão de estarmos sós naquele pedaço de selva! 😀

IMG_8286 (FILEminimizer)     IMG_8298 (FILEminimizer)

IMG_8287 (FILEminimizer)    IMG_8337 (FILEminimizer)    IMG_8306 (FILEminimizer)

IMG_8341 (FILEminimizer)     IMG_8355 (FILEminimizer)

No segundo dia, acordámos bastante cedo e depois de arrumarmos tudo e tomarmos o pequeno-almoço, seguimos até uma pequena caverna, que existia nas imediações para observar centenas de morcegos. 🙂 Durante a manhã a aventura continuou: maissanguessugas, mais leitos de rio – naquela altura sem água, mas lamacentos e escorregadios – partes de selva muito densa, atravessamentos de riachos com a ajuda de cordas e pontes improvisadas, mais humidade e transpiração, já falei das sanguessugas!? 😛 Mais selva! Depois daquela manhã em alta-rotação, a tarde passou-se tranquilamente na companhia de uma tribo onde pudemos observar, casebres de madeira e palha e nativos com características africanas!? – pele escuríssima, cabelo negro e encarapinhado – e fiquei admiradíssimo, pois foi a primeira vez que vi alguém naÁsia com aquelas características físicas. Nas imediações da aldeia, tomei banho num rio completamente lamacento e ao submergir nas suas águas, senti-me estranho, uma vez que não conseguia ver NADA!

IMG_8381 (FILEminimizer)      IMG_8405 (FILEminimizer)

IMG_8406 (FILEminimizer)       IMG_8411 (FILEminimizer)

IMG_8422 (FILEminimizer)      IMG_8428 (FILEminimizer)

No terceiro e último dia a viagem foi tranquila e serena, pois o regresso a Kuala Tahan foi novamente realizado no barquito de madeira. Já na vila, arrumei as mochilas e depois de um almoço simples apanhei um autocarro praticamente deserto para regressar a Jerantut. Obrigado Taman Negara! Deixaste-me o coração cheio e o corpo com menos uns mililitros de sangue. 😉

IMG_8438 (FILEminimizer)


P.S. – Para chegar ao parque nacional de Taman Negara não há um caminho direto e por essa razão a viagem foi feita em alguns passos. A primeira parte da viagem ligou Tanah Rata  ainda nas terras altas – a Jerantut e a mesma foi feita numa mini-van. Na chegada a Jerantut fui deixado na agência de viagens NKS, que parecia ter o monopólio de toda a região e aí aguardei durante algumas horas – durante esse tempo percebi que havia outras alternativas ao barco que acabei por apanhar, o único problema foi que o pacote vendido em todas as agências de viagens nas Terras Altas não oferecia alternativas ao mesmo. :/ Passado esse tempo fiz uma curtíssima viagem – novamente de mini-van – até ao jetty de Kuala Tembelling e aí apanhei um barco que me levou rio acima, durante três horas até Kuala Tahan, uma pequena vila colada à entrada do parque natural. A verdade é que a viagem no rio foi bastante agradável – sol, chuva torrencial, suave neblina na floresta… observei búfalos, macacos e aves e apreciei a paisagem envolvente do rio e da floresta. Deste modo não posso considerar a compra forçada, como grave! A única questão que se levanta, é o mau princípio que esta situação cria e que impossibilita as pessoas de escolherem livremente que tipo de viagem pretendem – barco ou autocarro.

Categorias
Crónicas Fotografia Reflexões

O Globo de Perhentian

Na altura que cheguei a Perhentian Kecil o fim de temporada estava ao virar da esquina. Desse modo, encontrei a ilha em processo bastante rápido de encerramento, com a maioria dos restaurantes, escolas de mergulho e até alojamentos fechados. Porém e devido a tal facto, a quantidade de mochileiros era muito mais reduzida e a verdade é que durante o dia e nalgumas pequenas festas de praia acabou por gerar-se um ambiente mais íntimo e familiar. 🙂

IMG_6970 (FILEminimizer)

Nesses cinco dias, conheci pessoas de diferentes nacionalidades – alemães, britânicos, americanos… – acabando por criar uma rotina de deliciosos jantares de BBQ, muita conversa e alguma festa; ainda fui a tempo de fazer um mergulho nas águas azuis e cristalinas da ilha; torrei ao sol naquela bonita praia de areia branca; escrevi no caderno e publiquei alguns textos no blog. 🙂

IMG_7045 (FILEminimizer)

O único momento que ensombrou aquele simpático lugar, foi quando levei dois chapadões de um nativo que meteu na cabeça que eu lhe tinha roubado uma lata de cerveja, mas felizmente para mim, fiquei tão aparvalhado com o episódio que nem sequer tive reação para ripostar. Pois acredito que se o tivesse feito, tinha sido “comido” instantaneamente por aqueles autóctones… :/

IMG_6997 (FILEminimizer)

Na ilha Perhentian o tempo congelou e durante o tempo que lá estive vivi quase sempre no globo de cristal de Charles Forest Kane, um tempo sereno e tranquilo… isolado do “mundo exterior”. 😀

IMG_7019 (FILEminimizer)     IMG_7039 (FILEminimizer)

P.S. – Na Ásia, as pessoas são na maioria das vezes extremanente afáveis e serenas, porém e se há alguma ação que lhe “manche” a honra, elas ficam totalmente em polvorosa e agressivas. :/ E depois deste episódio, a noção que me deu, é que neste continente a vida de uma pessoa pode valer menos que uma lata de cerveja. 😦

Categorias
Crónicas

Viagem ao Coração do Bornéu por Palavras

Ato IV – Na Tribo. “Bro… Steady…Slow” e Experiência ZEN

Tawing disse-me então: “Bro. Sit.” E eu sentei-me de costas contra uma parede e senti toda a minha roupa a colar-se ao meu corpo, fruto do suor abundante. Tawing começou então a mexer no cesto de verga e a retirar todos os mantimentos. Depois de o fazer, agradeceu e quando dei por mim já estava a separar o arroz, o açúcar e o café e a entregá-los a duas pessoa que entretanto tinham entrado na casa: Yean (um velhote de cabelos brancos e curtos, bastante magro) e Ngawet (uma senhora de meia idade que trazia com ela duas crianças, uma menina e um rapaz de olhos vivos e curiosos, mas envergonhados).

Feita a divisão e entregues os mantimentos, Yean e Ngawet partiram e eu fiquei novamente a sós com Mao e Tawing, que por esta altura pegou na garrafa de vinho de arroz e me perguntou: “Bro, drink?” e após bebermos dois copos, virou-se para mim e disse: “You…eat.” Durante cerca de meia hora não o vi e apenas ouvi o barulho de utensílios metálicos a baterem na cozinha (fosse o som de um cutelo a atingir a madeira, fosse o som de uma espátula a raspar um wok), nesse tempo Mao continuava impávida e serena, sentada e volta e meia mascava as tais raízes vermelhas, tal como eu presenciara no dia anterior na longhouse. Eu entretanto, tentava esvaziar a mente.

Quando o Tawing voltou, trazia consigo arroz, frango cozinhado de duas maneiras (uma em forma de caldo e a outra guisado) e uma caneca gigante de café preto que tinha uma dose bastante generosa de açúcar. 😛 A comida dava para um batalhão e eu apontei para a comida e para eles os dois e disse-lhes: “Eat.” Tawing acenou que não com a cabeça e respondeu: “Eat, Bro, eat”. Comecei então a comer e a verdade é que estava esfomeado e durante meia hora mantive-me calado e de boca cheia. Comi, comi, comi… e mesmo deixando muita comida, fiquei completamente saciado. Assim que terminei, Tawing começou a arrumar tudo, não me deixando fazer nada e foi então que apontou na direção do rio e disse: “You Bro, swim”.

Sentia-me um bocadinho incomodado com o facto de estar a ser lord, mas como não conseguia comunicar com ele, vesti os calções de banho e de chinelos nos pés e toalha na mão parti para o mesmo. Em menos de dois minutos estava à beira não de um rio, mas sim de um riachozito e neste local tive um momento completamente relaxado, de paz e “iluminação”. 😀 Um momento ZEN de plena comunhão com a natureza! Deitado de costas nas pedras do riacho, sentia a água que corria a refrescar-me o corpo cansado e a retirar o som do ambiente (ouvidos tapados com água), os meus olhos estavam cerrados e a minha mente relativamente apaziguada e eis que surgiu o momento… quando voltei a abrir os olhos e com o corpo na mesma posição, vi nuvens brancas a correrem no céu, veloz e alegremente e os ramos e as folhas das árvores a serem agitados pelo vento e senti que tudo na vida e na natureza estava ligado ao movimento. O rio que corre, as nuvens que desfilam, os ramos e folhas que se agitam. Tudo muda, tudo é mutável, tudo se transforma, adapta, reformula e reinventa. 😀

Ao voltar a casa de Mao e Tawing estava muito mais fresco, sentia-me bem e assim que cheguei aproveitei para me hidratar, primeiro com água e depois com mais um “caneco” de café. Tawing disse-me então: “Friend, steady…slow” e fiquei a vê-lo mascar as famosas raízes vermelhas e tentei manter-me focado naquele momento, mesmo que este fosse um bocado parado demais! 😛 Passado quase uma hora e depois de mais alguns “Friend, steady…slow”, Tawing fez-me sinal para o acompanhar na visita a casa de uns amigos e aí ficámos apenas na zona do alpendre, “quietos e vagarosos” a fumar um cigarro.

Regressámos a casa de Mao, onde permanecemos mais meia hora “quietos e vagarosos” e já depois do lusco-fusco e da noite cair, fomos descalços até casa de Ngawet, onde estivemos quase uma hora. Aí para além de continuar a ouvir o Tawing a pronunciar: “Steady and slow”, vi os hábeis dedos de Ngawet a construírem um “tapete” gigante de verga, com o auxílio da luz bruxuleante de uma candeia rudimentar… e neste ambiente místico e misterioso, fumámos um jacolait (um cigarro enrolado com um tabaco particularmente forte e intenso). 😀 No regresso à casa de Mao, recusei educadamente a refeição, pois ainda me sentia saciado do almoço e pouco mais havendo a fazer, apenas me restou deitar para dormir e repousar o corpo e a mente, após um dia simultaneamente adrenalizante, como “steady and slow”. 😉

Categorias
Crónicas Em trânsito

Viagem ao Coração do Bornéu por Palavras

Ato III – A Caminho da Tribo. Encontro com Mao

Já na margem, despedi-me e agradeci profundamente ao meu barqueiro. Recomecei a andar e as diferenças para a primeira vez eram mais do que temporais (duas horas de distância), eram essencialmente emocionais, desta vez sabia que ia correr tudo bem e que não haveriam mais enganos ou dúvidas! Agora independentemente do trilho ia ser fácil, era isto que sentia. 🙂 Com estes pensamentos em mente, fui percorrendo o mesmo sempre com cuidado e realmente não haviam mesmo dúvidas! O trilho era claro e inequívoco! O único problema mesmo era o atrito, aliás a sua ausência.

Durante quase duas horas andei ladeira acima, ladeira abaixo, passando o rio em pequenas pontes sempre carregado com a minha mochila pequena e com o super-desconfortável cesto de verga. De vez em quando, amaldiçoava o peso do mesmo e o facto de ter de o carregar, mas quando finalmente avistei uma casa de madeira com telhado de zinco soube que a minha penitência estava a terminar e estuguei o passo. Ao encontrar um nativo, sentado na entrada da casa, perguntei-lhe por Mao e ele fez-me um gesto largo, para seguir em frente.

Passei por mais um par de casas, uma delas abandonada e por umas hortas e quando encontrei outra casa com outro nativo sentado nos degraus da entrada, ao perguntar-lhe por Mao ele fez-me sinal para subir. Muito devagar pronunciei Daniel e simultaneamente fiz-lhe sinal de dormir. Quando me aproximei, ele ajudou-me a tirar o cesto de verga das costas e depois de o pousarmos no chão, virei-me para ele, apontei para mim e pronunciei: “Kiri”, ele fez o mesmo e pronunciou, Tawing.

Entrei então na casa, paredes altas, toda em madeira, telhado de zinco e tirando um pequeno cubículo com posters de alguns jogadores de futebol e um colchão no chão, todo o espaço era uma única divisão, como se de um salão se tratasse e tudo parecia muito humilde. Até que os meus olhos pararam nalgumas fotografias da família e numa estante com alguns aparelhos eletrónicos: colunas, leitor de DVD, rádio, um computador portátil… fiquei surpreendido! Não esperava encontrar estes itens no interior da selva, no coração do Bornéu e numa aldeia Sian (tribo semi-nómada), mas tal facto não retirou encanto ao local, apenas me recordou os tempos modernos em que vivemos e de como a globalização chega a todo, ou quase todo o lado.

Quando os meus olhos voltaram a focar o “salão” mas ao nível do solo vi que estava sentada uma senhora muito idosa vestida de forma tradicional, os braços abaixo da linha dos cotovelos e o peito dos pés estavam tatuados. Usava um chapéu alto preto, tinha largos brincos que faziam com que as orelhas estivessem muito descaídas e fumava um cigarro largo que volta e meia se apagava e que ela depois voltava a acender. A senhora levantou-se e enquanto me apertava a mão, Tawing apontou para ela e disse: “Mao”. Fiquei surprendido, afinal Mao era o nome de uma mulher e a casa onde eu ia ficar a dormir não era a de nenhum patriarca, mas sim a de uma matriarca Sian. 🙂

Categorias
Crónicas O 1º Dia

Viagem ao Coração do Bornéu por Palavras

Nota: Uma vez que a máquina fotográfica estava avariada e eu nesta altura viajava sozinho, a viagem ao coração do Bornéu, apenas pode ser “ilustrada” por palavras.


Ato I – Belaga e as Longhouses

Chegar a Belaga, já bem no interior de Sarawak foi uma longa viagem. Primeiro, apanhei um avião de regresso à cidade de Miri e aí apanhei um autocarro noturno que me levou até à cidade de Sibu (sete horas de viagem). Assim que lá cheguei e como não tinha nenhum interesse em visitar o burgo, comprei o mais rapidamente possível, um bilhete para um barco que me levou pelo larguíssimo Rajang, durante nove horas! Uma maratona de três meios de transporte: ar, terra e água! 🙂

Na chegada à pequena e sonolenta cidade depois de encontrar um pequeno quarto para dormir, procurei Daniel, um senhor que tem contactos com pessoas de tribos das redondezas e com quem defini um “plano” para os próximos dias. Em Belaga, encontrei pessoas muito afáveis e simpáticas, acabando o primeiro dia a comer porco selvagem na grelha e a beber cervejas com Daniel e com os seus filhos (principalmente Rowdy). 🙂

De manhã cedo, parti para a aldeia de Lang Liteu num barquito de madeira e durante a viagem senti uma enorme felicidade por estar ali naquele momento (no meio do todo-poderoso Rajang com o sol a bater-me na cara). 😀 Na longhouse fui recebido na casa de Mandam e Gemate um casal que tem quatro filhos e duas filhas e presentemente seis netos.

Ao longo do dia, “recolhi” mais informações: estava na companhia de uma tribo Kajeman e nesta as mulheres mais idosas têm tatuagens no peito dos pés e nos braços, abaixo da linha dos cotovelos; quase todas as pessoas mascam umas raízes vermelhas, enroladas numas folhas que estão untadas com baba de caracol e que deixam a boca completamente vermelha (parece que a boca está toda ensanguentada), apesar do efeito visual bastante estranho, estes “ingredientes” em conjunto funcionam como prevenção contra infeções 😉 ; percebi que uma longhouse é uma casa de rés-de-chão muito comprida com um alpendre em todo o seu comprimento e comum a todas as famílias. Esta grande casa está dividida em casas individuais mais pequenas e que estão alinhadas lado a lado, permitindo uma vida muito próxima e em comunidade.

Para além de “recolher” informações, passeei ao longo da longhouse, dos seus arredores e vi casas de madeira e telhados de zinco, trilhos de terra vermelha, plantações de arroz, selva em redor da aldeia em todas as direções (exceto a do rio). Encontrei duas camponesas com as quais fumei um cigarro de enrolar em forma de cone e cheio de um tabaco mais forte. 😛 Falei com o Mandam e todas as minhas refeições foram com a sua família. Diverti-me a observar as suas netas que ainda estão a aprender a andar e que fazem birras para lhes darem atenção – como todas as crianças/bebés do nosso planeta 🙂 – e a expressão terna de Mandam, como avô babado. 😀 Vi-o no processo de cozer/arranjar uma rede de pesca. Fui pescar com ele e nesse final de tarde vi uma gloriosa transição entre o dia e a noite (as cores, os relâmpagos, o rio na penumbra e na escuridão, o sentimento de uma experiência única…) 😀 . Tomei banho com água de um barril. E o meu dia terminou quando assisti a um serão em família à porta de casa (bebés a dançar, avôs babados, nativos a fumar)… vida simples, vida tranquila, vida serena! 😀

P.S. – Num dia tão pacífico apenas houve uma nota negativa, porém a mesma foi suficiente para ensombrar, um bocadinho, toda a experiência. Esse momento ocorreu quando fui pressionado pelo meu anfitrião a comprar duas garrafas de vinho de arroz. Apesar de fazer parte da tradição (que eu desconhecia), a sua atitude não me pareceu bonita e eu não gostei do seu comportamento de cobrança! :/

Categorias
Crónicas Fotografia

Criar Mabul´s

Depois de três dias muito intensos de mergulho e de tantas emoções vividas, virei as minhas agulhas para outras prioridades: fazer praia e descansar numa ilha paradisíaca, ao mesmo tempo que atualizava o meu caderno e fruto do acaso a minha escolha acabou por recair na ilha de Mabul.

      IMG_4662 (FILEminimizer)       IMG_4647 (FILEminimizer)

Quando inicialmente parti, apenas tinha o palpite que talvez lá ficasse três/quatro dias. Mas exatamente, quantos? Não o sabia. Primeiro, desconhecia a ilha e seguidamente não estava certo do ambiente que ia encontrar no lodge, uma vez que os comentários encontrados na internet eram bastante díspares.

    IMG_4694 (FILEminimizer)      IMG_4695 (FILEminimizer)

A realidade é que fruto de algumas circunstâncias, acabei por ficar em Mabul, uma semana! 🙂 A ilha per si não tinha nenhuma praia de sonho, mas tinha habitantes sorridentes e afáveis; crianças aos magotes; grandes lagartos (alguns com cerca de dois metros!), morcegos e até um macaco; águas límpidas, cristalinas e onde se podiam encontrar uma enorme variedade de pequenos e raros seres sub-aquáticos; um sol abrasador que às nove da manhã me punha a destilar sem parar… 😛

       IMG_4693 (FILEminimizer)       IMG_4704 (FILEminimizer)

Em Mabul transformei-me em escriba e consegui finalmente atualizar o caderno que estava cerca de um mês atrasado! Fiz pela primeira vez um muck dive e o meu primeiro mergulho noturno, onde entrei nas trevas, no vazio, no vácuo absoluto! Onde só faltava aparecer o Alien! SURREAL! 🙂 Relaxei. Bebi uns copos e fumei uns cigarros. Tive conversas super-interessantes e mentalmente estimulantes. Conheci muitas pessoas e fiz amigos, com especial destaque para o Moo (um nativo que tinha uns calções da nossa seleção), James (inglês e instrutor da escola), Kyle (australiano) e Stefanie e Nicole (duas raparigas suiças).

       IMG_4778 (FILEminimizer)       IMG_4922 (FILEminimizer)

Na despedida de Mabul, parti com alguma tristeza. O Moo emocionado chorava sem parar e os abraços dados a quem ficou, foram apertados e sentidos. Em Mabul fui verdadeiramente FELIZ e senti-me verdadeiramente em casa… uma casa que raras vezes tive durante esta viagem. De tal modo que decidi que não quero regressar! E Mabul ficará para sempre no meu imaginário como um local onde se é FELIZ! Mas ao qual é impossível regressar… a única coisa que se pode fazer é continuar a viver, continuar a sonhar… para no futuro criar mais Mabul´s, essa ilha paradisíaca que existe no coração de cada um de nós. 😀

      IMG_4933 (FILEminimizer)        IMG_5027 (FILEminimizer)

Categorias
Crónicas Fotografia Reflexões

Semporna. A Imundice e a Dignidade

Se a viagem de Kinabalu para Sepilok já me tinha revelado a face negra do Bornéu com a visão de hectares e hectares cobertos de palmeiras, que geram o lucrativo óleo de palma… o que dizer do caminho entre Sepilok e Semporna? No mínimo… desolador! 😦 As palmeiras estendiam-se em todas as direções e até onde os meus olhos conseguiam alcançar.

IMG_4349 (FILEminimizer)     IMG_4378 (FILEminimizer)

A chegada a Semporna revelou a cidade mais suja e deprimente que vi na vida. Lixo às pazadas espalhado pelo chão e pelas águas, crianças encardidas e descalças e um cheiro intenso a fruta em decomposição. O primeiro impacto, não foi de fácil digestão. Assim que penetrei na parte mais central da cidade, fui à escola de mergulho onde falei com Jerry e depois de lhe mostrar o tornozelo, o seu veredito tirou-me toneladas de cima! Podia mergulhar… 😀

IMG_4379 (FILEminimizer)     IMG_4416 (FILEminimizer)

Como o curso apenas começava no Domingo, tive um dia e meio para repousar, escrever e passear na cidade, onde apesar de toda a sujidade me deparei com sorridentes crianças, pessoas pobres mas simpáticas e afáveis, barcos coloridos, mercados de peixe – seco e fresco – mais lixo, trânsito caótico, uma bonita mesquita verde-alface e… com uma realidade crua e sem qualquer tipo de máscaras ou filtros. A dignidade humana conferiu à cidade uma profundidade, que poucas vezes senti na vida.

IMG_4430 (FILEminimizer)     IMG_4432 (FILEminimizer)

Categorias
Crónicas Fotografia

Faces de KL

Kuala Lumpur é à semelhança de Bangkok, uma cidade de várias faces e ficará na memória pela soma das suas partes. A primeira delas será a incrível quantidade de massagistas – oficiais e oficiosas – que oferecem os seus serviços ao longo da Jalan Bukit Bintang e que foi o local onde acabámos por ficar hospedados, num minúsculo e bafiento quarto de dez metros quadrados. Nas suas imediações, a Jalan Alor também fica na retina pela quantidade absurda de restaurantes de rua, mas principalmente pelos seus empregados que nos assediam constantemente. Chega a ser exasperante! E consegue ser pior que qualquer rua, praia, estação/terminal de autocarros/comboios da Tailândia! É obra! 😛

     IMG_3006 (FILEminimizer)      IMG_3013 (FILEminimizer)

KL tais como outras cidades asiáticas, está minada de centro comerciais monumentais e gigantescos, cheios de lojas e restaurantes de fast food e quando visitámos o Macdonald´s, o seu interior estava minado de muçulmanos, que consumiam alegremente um dos mais famosos ícones ocidentais. Aliás um dos motivos que nos levou a “visitar” o local, foi a desapontante e inflacionada gastronomia malaia, isto apesar de haver uma grande mescla na cozinha fruto da aceitação natural de todas as culturas e cidadãos que compõem o país: malaios, indianos e chineses.

               IMG_2853 (FILEminimizer)          IMG_2855 (FILEminimizer)

Outra das faces da cidade é a sua Chinatown, que fica nas imediações da Jalan Petaling e onde é possível encontrar magníficos mercados de rua cheios de contrafações: roupas, óculos, relógios, perfumes; templos chineses e hindus e não muito longe o agradável Central Market. 🙂

                   IMG_2839 (FILEminimizer)          IMG_2849 (FILEminimizer)

Nas nossas deambulações – tanto a pé como de metro de superfície – deu para notar que a cidade apresenta um elevado ritmo de construção e às vezes imaginei-me na mesma, há cerca de vinte, trinta anos atrás, numa altura em que o grande ícone da cidade, as Torres Petronas ainda não existiam. E a propósito, depois das visitarmos, posso afirmar que pagar para subir às “petroninhas” não vale a pena. Apesar da vista ser fascinante – vê-se tudo de cima! Tudo mesmo! Outros arranha-céus, mesquitas, piscina no topo de edifícios – o que se aprende é residual e no final sentimos que pagámos para ver uma mera panorâmica de Kuala Lumpur.

     IMG_3046 (FILEminimizer)      IMG_3041 (FILEminimizer)

Mais fascinante foi observá-las já iluminadas, ao final da tarde e mesmo nessa altura houve um certo desapontamento pois esperávamos uma iluminação muito mais intensa. Só quando começámos a tirar fotografias é que percebemos que a luz extra vinha da máquina fotográfica. Os nossos olhos veem a luz “real” e a fotografia distorce e amplifica a realidade, transformando estas torres num projeto de fição científica. 😉

    IMG_3221 (FILEminimizer)      IMG_3234 (FILEminimizer)

Categorias
Crónicas Fotografia Reflexões

Dias em Pangkor? Tranquilos!

Os dias em Pulau (ilha) Pangkor foram… muito, muito tranquilos e depois de toda a azáfama das ilhas do sul da Tailândia soube bem chegar a um local muito mais pacífico, relaxado e não ser incomodado de cinco em cinco segundos por vendedores ambulantes, à semelhança de Koh Samui. 🙂

IMG_2711 (FILEminimizer)      IMG_2742 (FILEminimizer)

Na praia, a maioria das pessoas que encontrámos eram nativas do país e foi muito interessante observar que o tipo de brincadeiras praticadas não se altera, independentemente de estarmos na presença de uma sociedade islâmica e claramente marcada pela religião. 🙂

IMG_2728 (FILEminimizer)      IMG_2813 (FILEminimizer)

Nos dias que aqui estivemos aproveitámos para tomar banhos de sol na praia – que apesar de não ser tão bonita como as existentes nas Phi Phi, era agradável – e na piscina do hotel; comer deliciosos e frescos peixes grelhados; começar a conhecer os sabores da comida malaia; escrever no caderno; ver macacos a invadirem as varandas em busca de comida fácil e pela primeira vez tucanos em liberdade; assistir ao quase afogamento de uma criança – na piscina – e comprovar como este pode ser rápido, silencioso e potencialmente letal :/ ; comer frescos gelados e partir em direção à capital… Kuala Lumpur, de seu nome. 🙂

IMG_2812 (FILEminimizer)      IMG_2810 (FILEminimizer)