Após a finalização do meu repasto, estava alegremente sentado e sossegado num banco na Rua de Qianmen, quando se abeiraram três senhores que meteram conversa. Com um inglês bastante bom, o melhor que tinha apanhado na China até ao momento, disseram que eram uma equipa de informáticos de Xangai que estavam em Pequim por motivos profissionais (um congresso) e perguntaram se os queria acompanhar.

Como não estava a fazer nada de especial, acabei por me levantar e comecei a conversar com eles em andamento. Perguntaram de onde era e o que estava a fazer em Pequim. Disseram que Portugal era muito bonito e que um deles já tinha visitado o país duas vezes. Se era a minha primeira vez na China e outras trivialidades. Disseram que estavam hospedados no Marriot, porque o patrão é que pagava e eu respondi a sorrir sorte a deles porque eu estava num hostel barato, nas imediações da Cidade Proibida. E nos entretantos disseram que tínhamos de trocar e-mails, para quando fosse a Xangai ficar em casa deles e conhecer as respectivas famílias.

Neste momento, tínhamos parado em frente a um edifício de fachada perfeitamente banal e eu como ando sempre com papel e caneta, sentei-me num banco e preparei-me para anotar os respectivos e-mails. O mais conversador dos três disse que não podíamos estar ali sentados e eu na minha candura pensei: “Coitados nem sequer podem ser vistos à conversa com um Ocidental na rua” e começou a dizer que devíamos tomar um chá, enquanto trocávamos os e-mails e apontou para o edifício. Naquele momento, racionalmente não pensei em nada mas instintivamente comecei a retrair-me. Continuou: “O chá é muito importante na nossa cultura e é considerado uma falta de respeito não tomarmos um chá juntos”. Naquele momento e repito-o instintivamente, respondi secamente: “I don´t care” (Não quero saber). E num ápice desapareceram como o vento deixando-me sozinho no local. Passados uns breves instantes, voltei à realidade e só nesse momento percebi que estive muito muito próximo de cair num Esquema Dourado de valores astronómicos. Esquema esse, que consiste em levar-nos a beber um simples chá para no final nos ser cobrado um valor monetário perfeitamente ridículo (que pode chegar às centenas de dólares). Caso a pessoa se negue a pagar, a intimidação física será a arma utilizada para nos convencer a fazê-lo. Esta informação foi confirmada à posteriori, com outras pessoas.

Mentalmente comecei a rever todos os pequenos passos que me tinham conduzido até aquele edifício e tentei fixar o máximo de detalhes da conversa que tivera e a desconstruí-la em passos na perspectiva do predador, a saber:
1) Identificação com a vítima;
2) Mostrar que se é de confiança;
3) Perguntas (de forma discreta) com o objetivo de extrair informação;
4) Apelar ao coração da vítima;
5) Capacidade de adaptação;
6) Distração (o facto de serem três era apenas para criar entropia).
Para finalizar refiro apenas que não caí neste esquema elaboradíssimo e bastante profissional por mera sorte e instinto animal. Não houve qualquer mérito da minha parte em evitar este esquema e apenas frisei os passos para alertar possíveis vítimas, seja deste, ou de qualquer esquema, uma vez que o padrão será (quase) sempre semelhante.
39.900166
116.397952