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Pedaços de Tarde em Beihai

Beihai foi o meu “alvo” pré-determinado do dia e a entrada no parque foi um bom corte na inércia que se apoderava do meu corpo. Ao longo da tarde e à medida que ia percorrendo o espaço, pedaços de Behai foram entrado em mim: o lago parcialmente gelado, os casais de namorados, as colunas brancas, os velhotes, as pontes, os progenitores e os seus petizes, o sol no horizonte e em trajectória descendente, os pássaros, os caçadores de fotos, as múltiplas construções “clássicas”…

Juntos

Quando saí do parque e por acaso enveredei pela Avenida Beichay e tive o prazer de ver o local onde vivem os membros do Partido Comunista Chinês (PCC) e as respetivas famílias. Moral da história: grandes casas, grandes carros e muita segurança nos portões. Como ouvi alguém dizer, relativamente ao Comunismo: “Os homens são todos iguais, mas há homens mais iguais que outros”. Neste momento, olhei para o mapa da cidade e reparei que estava quase na cidade Proibida e fiz esta analogia, os Mandarins da China contemporânea escaparam dos muros da Cidade Proibida, mas à semelhança dos Mandarins da Antiguidade continuam presos em gaiolas douradas.

              Fim de dia em Behai

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Tianmen – Praça para Deuses, não para Homens

Depois do ocorrido em Qianmen e ainda meio abananado, dirigi os meus passos a Norte rumo à Praça de Tianmen e cada vez mais fico com a impressão, que esta capital não foi construída para os filhos da Terra mas para os filhos do Céu. Tudo é monumental, tudo é gigante. Os nossos passos assemelham-se ao dos insectos e ao invés de sentir a monumentalidade da praça a libertar-me, sinto-a a esmagar-me. Tal e qual um inseto.

Não sei se sou de algum modo influenciado negativamente, pelas imagens da repressão ocorrida na praça em finais da década de 80 no reinado de Diao Xiao Ping, mas o espaço não me é amistoso. Nos entretantos, o mistério da glorificação de Mao em termos populares – um pequeno exemplo, todas as notas de Yuans têm a sua face gravada – e a pouca visibilidade dada a Diao Xiao Ping – pelo menos quando comparado com o grandioso e “solar” Mao – continuam a intrigar-me. Uma vez que em termos históricos, Mao foi um desastre que ocorreu na história Chinesa do século XX e Diao Xiao Ping a figura que fundou as bases para a China contemporânea.

Na praça os símbolos continuam lá, os soldadinhos de chumbo a marchar, a bandeira Chinesa, o retrato do patriarca Mao. Tudo está no seu lugar, imutável, tal e qual uma petrificação histórica. Mas fico a pensar ao que me refiro… se aos Deuses que governam o Céu ou aos Deuses que governam a Terra.

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O Esquema Dourado

Após a finalização do meu repasto, estava alegremente sentado e sossegado num banco na Rua de Qianmen, quando se abeiraram três senhores que meteram conversa. Com um inglês bastante bom, o melhor que tinha apanhado na China até ao momento, disseram que eram uma equipa de informáticos de Xangai que estavam em Pequim por motivos profissionais (um congresso) e perguntaram se os queria acompanhar.

Detalhe do Pórtico

Como não estava a fazer nada de especial, acabei por me levantar e comecei a conversar com eles em andamento. Perguntaram de onde era e o que estava a fazer em Pequim. Disseram que Portugal era muito bonito e que um deles já tinha visitado o país duas vezes. Se era a minha primeira vez na China e outras trivialidades. Disseram que estavam hospedados no Marriot, porque o patrão é que pagava e eu respondi a sorrir sorte a deles porque eu estava num hostel barato, nas imediações da Cidade Proibida. E nos entretantos disseram que tínhamos de trocar e-mails, para quando fosse a Xangai ficar em casa deles e conhecer as respectivas famílias.

Edíficio na Rua Quianmen

Neste momento, tínhamos parado em frente a um edifício de fachada perfeitamente banal e eu como ando sempre com papel e caneta, sentei-me num banco e preparei-me para anotar os respectivos e-mails. O mais conversador dos três disse que não podíamos estar ali sentados e eu na minha candura pensei: “Coitados nem sequer podem ser vistos à conversa com um Ocidental na rua” e começou a dizer que devíamos tomar um chá, enquanto trocávamos os e-mails e apontou para o edifício. Naquele momento, racionalmente não pensei em nada mas instintivamente comecei a retrair-me. Continuou: “O chá é muito importante na nossa cultura e é considerado uma falta de respeito não tomarmos um chá juntos”. Naquele momento e repito-o instintivamente, respondi secamente: “I don´t care” (Não quero saber). E num ápice desapareceram como o vento deixando-me sozinho no local. Passados uns breves instantes, voltei à realidade e só nesse momento percebi que estive muito muito próximo de cair num Esquema Dourado de valores astronómicos. Esquema esse, que consiste em levar-nos a beber um simples chá para no final nos ser cobrado um valor monetário perfeitamente ridículo (que pode chegar às centenas de dólares). Caso a pessoa se negue a pagar, a intimidação física será a arma utilizada para nos convencer a fazê-lo. Esta informação foi confirmada à posteriori, com outras pessoas.

Pórtico de Entrada em Quianmen

Mentalmente comecei a rever todos os pequenos passos que me tinham conduzido até aquele edifício e tentei fixar o máximo de detalhes da conversa que tivera e a desconstruí-la em passos na perspectiva do predador, a saber:

1)      Identificação com a vítima;

2)      Mostrar que se é de confiança;

3)      Perguntas (de forma discreta) com o objetivo de extrair informação;

4)      Apelar ao coração da vítima;

5)      Capacidade de adaptação;

6)      Distração (o facto de serem três era apenas para criar entropia).

Para finalizar refiro apenas que não caí neste esquema elaboradíssimo e bastante profissional por mera sorte e instinto animal. Não houve qualquer mérito da minha parte em evitar este esquema e apenas frisei os passos para alertar possíveis vítimas, seja deste, ou de qualquer esquema, uma vez que o padrão será (quase) sempre semelhante.

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Visita à Grande Muralha

Ato III – Na Muralha e Regresso à Poluição

Quando finalmente cheguei ao “interior” da Muralha estava felicíssimo e dirigi os meus passos na direção contrária à zona mais visitada. Claro que trilhar a Muralha em absoluta solidão é impossível, mas também não era esse o objetivo uma vez que aqui existe um verdadeiro sentimento de comunidade. A vibração desta e o peso da história fazem-se sentir e o resultado é uma energia diferente. Aqui não estamos apenas num local super ou hiper turístico, não! Aqui estamos na Grande Muralha! Um local especial para todas as pessoas do planeta – pelo menos para quem a visita.

   A ser espancado            Escadaria para o Paraiso

Durante quatro horas: subi e desci degraus; percorri diversas seções desde as mais suaves às hiper-inclinadas; visitei torres; cumprimentei e sorri para pessoas de diversas nacionalidades; tirei fotografias a pessoas que me pediram; tiraram-me fotografias porque eu pedi; fui “espancado” por uma vendedora com golpes de kung-fu e pousei com ela em posse militar; gracejei com umas beldades caídas literalmente dos céus, entre elas uma portuguesa de Santarém – o Mundo às vezes torna-se literalmente microscópico 😛 ; tirei fotografias à Muralha e à paisagem envolvente (montanhas, vegetação, neve); regatei o preço de um chocolate (desceu dos 20 para os 3 Yuans); conheci um Brasileiro (Alex) e combinei jantar com ele em Pequim; percebi que 99% das pessoas que visitam a Muralha o fazem em viagens organizadas; transpirei; senti o sol a bater-me na face; e senti-me um felizardo e ao mesmo tempo um bocadinho super-homem quando continuei a subir degraus e mais degraus até encontrar um local onde a minha única companhia era a Muralha, o sol e o vento.

Estava sobrio, sim senhor         Auto-retrato

Quando comecei a descida senti-me um pouco esgotado, os músculos volta e meia tremiam fruto da caminhada, do sono e da alimentação deficientes. Porém a felicidade e o orgulho por ter visitado a Muralha pelo próprio pé superaram qualquer cansaço físico. Já na base fui “assediado” para fazer compras – a esta hora, as bancas estavam todas abertas – e tal e qual uma enguia, escorreguei dali para fora. No parque de estacionamento procurei o meu Jarbas e quando entrei na carrinha ainda tentei re-negociar o preço do regresso, porém fruto da espera de quatro horas tal não foi possível. Porém devo referir que não insisti, uma vez que considerei o preço justo. No final de contas o meu Jarbas foi um querido, em Huairou  sim desta vez li o nome da cidade 😛 – deixou-me quase dentro do autocarro para Pequim e para um feliz regresso à poluição.

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Visita à Grande Muralha

Ato II – Na base da Muralha

O dia estava radioso e chegados à base da Muralha, comecei a sacar das notas para pagar ao meu motorista, quando surpreendentemente ele me fez sinal que não. Por sinais compreendi que ele ia ficar à minha espera enquanto eu estivesse a visitar a Muralha e depois me levaria de volta à cidade. Portanto e sem me ter apercebido disso acabei por contratar o meu primeiro motorista privado na China. 😉

Inicio da dor

Seguidamente dirigi-me à bilheteira e comprei o bilhete apenas para a Muralha. Sim! Porque existe a possibilidade de comprar também um bilhete para um teleférico que nos leva ao colo até à Muralha propriamente dita, claro que se paga principescamente mas isso é apenas um detalhe.

A Muralha vista de baixo

O telemóvel batia as 9.00 e pouco quando comecei o meu trekking na base da Muralha. Aqui a palavra trekking associa-se a subir e a descer degraus e a andar entre as torres nas seções da Muralha. Refira-se ainda, que como local super-turístico a base está minada de pequenas bancas de venda de quinquilharia (felizmente para mim, como a hora era vespertina fui pouco abordado). Os primeiros degraus foram um pouco dolorosos, mas bastou os músculos aquecerem para tudo entrar literalmente no trilho. À medida que fui subindo, a Muralha agigantou-se, ganhou forma e proporção. Ainda nos degraus de acesso, encontrei uma vendedora já de idade avançada a carregar uns sacos e tal qual o samaritano da bíblia aliviei um pouco a senhora na sua provação diária…

No Shooping

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Crónicas Fotografia O 1º Dia

O Primeiro Dia em Pequim

O primeiro dia em Pequim correspondeu ao primeiro dia da viagem (vá, vamos excluir os aeroportos e os aviões, porque esses pouco se alteram em qualquer lugar do mundo, correspondendo a um modelo previamente standarderizado). Quando aterrei o dia estava cinzento e enevoado. “Oh diabo! Welcome to smog my friend?” A ver vamos. No aeroporto, para sair para a zona das bagagens foi necessário aguardar numa fila o controlo dos passaportes e de um “cupão” que é importante para o controlo de emigração e deve ser entregue à entrada e à saída do país. Mas não se pense que o controlo dos passaportes só é aplicado aos ocidentais, não senhor! Aplica-se também aos próprios cidadãos. Ora muito bem! Cá temos um primeiro cheirinho a burocracia. Quando ia a caminho do metro passou por mim um ocidental e na zona de comprar os bilhetes meti conversa com ele. Para minha sorte calhou-me na rifa um italiano (Stefano) que já vive na cidade há sete anos e durante a nossa viagem até ao centro de Pequim, contou-me coisas sobre si e deu-me algumas dicas.

Já na hostel (que foi bastante fácil de encontrar) e apesar do cansaço (esquecer-me recorrentemente de objetos antes de sair, acho que foi a faceta mais visível) o meu objetivo passou por continuar acordado e manter o ritmo o mais normalizado possível. Desse modo, o corpo é forçado a começar a habituar-se ao horário do destino. O resto do dia foi passado a deambular por Pequim de forma errática e sem grandes objetivos definidos. Acabei por seguir até aos muros exteriores da Cidade Proibida por uns hutongs (ruas e vielas que formam um bairro, em que as casas tem tradicionalmente pátios interiores) e seguidamente dirigi-me ao parque Jingshan (no seu interior este parque alberga alguns pavilhões chineses, que se localizam no topo de uma colina e proporcionam uma bela panorâmica sobre a Cidade Proibida, mas não neste dia) onde andei tranquilamente a passear com um chinês que pôs conversa comigo quando estávamos sentado num banco do jardim.

Saí do parque e continuei a deambular por avenidas monumentais e por mais hutongs. Aqui, pela primeira vez entrei numa mercearia e sem falar uma palavra de chinês e só com comunicação gestual consegui comprar uma garrafa de água de litro e meio (que inicialmente custava 5Y) por 1Y, percebendo automaticamente a importância que o regatear tem na cultura deste país. De rua em rua, viela em viela fui parar à rua principal do hutong mais antigo da cidade (Nanluogu Xiang) e lembrei-me de uma citação de Theroux: “É axiomático que logo que um lugar ganha a reputação de ser um paraíso se torna um Inferno” – a rua era um misto de discoteca pirosa e de um circo. Enfim demasiado turístico e demasiadas pessoas para o meu gosto, mas se calhar é melhor começar-me a habituar e rapidamente ao turismo de massas aqui na China.

Quando saí desta zona de hutongs, não sabia onde é que andava e o melhor foi quando abri a mala para ir buscar o mapa e verifiquei que não o tinha, a cereja no topo do bolo veio quando me apercebi que nem sequer o nome da rua ou localização do hostel tinha comigo. Nesta altura, tentei recorrer à ajuda de algumas pessoas que passavam na rua ou que trabalhavam em lojas ali nas imediações mas comecei a perceber que o inglês continua a ser pouco falado (mesmo em pessoas mais jovens). Moral da história: cansado, perdido (durante mais ou menos hora e meia) e sem perceber uma única letra que me rodeava ou palavra que me diziam comecei a ficar nervoso e a pensar como raio me ia livrar daquela situação incómoda que tinha criado. Após uns momentos de reflexão lembrei-me de ir a um hotel grande (em que aí falam inglês) pedir um mapa e para marcarem onde estávamos. Com base no mapa e na minha bússola lá me consegui orientar e voltar à base – apenas por curiosidade, diga-se que estava aproximadamente a três quilómetros na direção Noroeste.

Quando ia a chegar ao hostel estava esfomeado e encontrei um famoso mercado de rua noturno com comida, porém para o dia acabar em beleza paguei 17Y por um pratito de noodles mal-amanhado e reaprendi que antes de concluir qualquer negócio só mostro o dinheiro depois de acertado o preço (nem que seja por mímica). Já no hostel confirmei que na China o Facebook está bloqueado (tinha quase a certeza deste facto) e a má surpresa veio quando percebi que nem no blog conseguia entrar (também bloqueado). Depois de avisar que estava tudo bem (via skype, o telemóvel desde Barcelona que não tinha rede) finalizei a preparação para Muntianyu e às 20.00 já estava a dormir o merecido sono dos viajantes.