Já no hostel e antes de recolhermos a bagagem, ficámos ainda uns momentos a beber cerveja, a comer amendoins, pevides e favas secas, e a confraternizar com o staff e com o dono do hostel sob um magnífico e soalheiro sol. Na despedida disse-lhes: “A nossa casa é onde nos sentimos bem e durante os dias que aqui estive esta foi a minha casa. Tudo graças a vocês!”. 😀
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Para irmos a Loujishan decidimos tentar apanhar boleia, e fruto da sorte o assunto ficou resolvido em menos de dez minutos! 🙂 Na chegada à povoação o condutor pediu para tirar uma fotografia comigo e esse facto está a começar a tornar-se parte da tradição das boleias. 😉 Da povoação até à entrada do parque tivemos de apanhar um táxi/carrinha e depois de pagarmos o bilhete de entrada, apanhámos um autocarro – cujo valor estava incluído – que nos levou por uma estrada de elevados declives e curvas bem apertadas até ao sopé da montanha.
Aí existem duas opções: na primeira pode subir-se a pé a escadaria que leva à montanha propriamente visitável e interessante; na segunda apanha-se um teleférico cujo custo é elevado, mas que permite a ascensão e a descida no mesmo dia. Como pretendíamos uma visita mais rápida optámos pela segunda. E mesmo de teleférico, foram necessários quarenta minutos para chegar ao “topo”! 😛
A viagem de teleférico transportou-nos de um reino dourado e azul para um reino de prata, cinza e neblina, na cota dos 3700 m. Assim que chegámos ao “topo” começámos logo a ascensão e durante aproximadamente quatro horas andámos a subir e descer degraus em altitudes que variaram entre os 3700 m e os 3950 m – a cota do Penhasco de Aru. Nos trilhos que percorremos, vimos florestas verdes escuras, outras de troncos caídos, neve, gelo e lagos negros. Neste parque todos os lagos sem exceção, maiores ou menores são negros como o azeviche. As montanhas e os picos envolviam-nos… a neblina, o céu prata, o sol a brilhar, fiapos de nuvens brancas e um céu azul.
No topo da montanha o Xiaoling sofreu bastante com a altitude: cansaço extremo, respiração e batimentos cardíacos acelerados… 😦 apenas recuperando e voltando ao seu ritmo físico normal após a viagem de regresso ao sopé da montanha. Aí, tivemos imensa sorte pois conseguimos apanhar um autocarro que estava mesmo a partir, evitando grandes esperas. Mas mais sorte ainda, tivemos na partida do parque, quando ao mostrar a nossa placa ao primeiro carro que vinha na nossa direção – um mercedes ML 500 – o veículo parou e o condutor nos deu boleia de volta a Qiong Hai. À grande. 😉
Pedalando em Qiong Hai
O dia amanheceu já sem chuva e cor de prata, e o nosso primeiro passo foi alugar duas bicicletas para dar a volta ao lago. Qiong Hai, tem quarenta e dois quilómetros de perímetro, mas no final do percurso enganámo-nos numa cortada e esse valor passou para aproximadamente quarenta e oito quilómetros. 😛 O lago pode ser dividido em duas partes distintas, a turística e a real.
No decorrer da manhã, pedalámos pela zona turística. Aqui, as margens estavam bastante arranjadas com jardins, zonas para bicicletas, árvores, estátuas, zonas pedonais, embarcadouros e barcos a remos. A partir do meio-dia chegou o sol, e, à medida que fomos avançando começámos a ver o Qiong Hai real. O das aldeias, o dos velhotes e das crianças, o das pessoas sentadas na rua a jogar às cartas ou majhong, a conversar ou pura e simplesmente a ver o tempo passar. O Qiong Hai dos camponeses, dos carros e das motas a buzinar, dos verdes campos cheios de água e vida, o do suor e esforço humano e animal, o dos bois, das vacas e dos incontáveis pássaros, o dos montes à volta do lago e das flores… rosas, roxas, amarelas e brancas. 🙂
O dia acordou chuvoso e muito cinzento, talvez pronúncio do que se avizinhava. Depois do pequeno-almoço, mudámos-nos para um hostel em Qiong Hai (o lago que fica nas imendiações de Xichang). Como o dia estava péssimo e o meu PC avariado, voltámos a Xichang para tentar encontrar uma loja que resolvesse o problema.
Deixámos o computador entregue a um informático que nos disse solucionar o assunto em quatro horas por 420Y (aproximadamente 52,50€) e passámos a tarde num cyber-café, a aguardar. Passadas cinco horas recebemos a notícia via telemóvel que afinal não tinha sido possível tratar do difícil caso, uma vez que o disco rígido conseguia ser recolocado mas que não tinha as drivers necessárias. Quando voltámos ao hostel, estava triste e sentia que o dia tinha sido completamente perdido (este sentimento apenas foi atenuado, mas muito ligeiramente, porque durante o dia esteve sempre, sempre a chover). 😦
Num dia tão merdoso, o serão foi a única coisa positiva: a malta do hostel, os shots de cerveja (TSINGTAO), os cigarros, sentir o bom ambiente, acabar de organizar as fotografias de Pequim, falar via bate-papo (Gmail), dizer a um chinês que gozou comigo duas vezes que este estava a ser rude e estúpido e que apesar de eu não perceber chinês, percebia a linguagem corporal. Durante a ceia comemos tofu frito, ovos mexidos e feijões de soja, jogámos ao pedra-papel-tesoura para ver quem bebia e fingi que estava tudo bem com o chinês ao ser polido na despedida.
A nossa paragem em Shimian, só tinha um objectivo: arranjar um meio de transporte para Xichang. E o Xiaoling como rapaz desenrascado que é, resolveu que deviamos tentar apanhar boleia e continuar na senda da poupança. Claro que não me opus e passado uns minutos estavámos a apanhar um táxi para os pórticos de entrada da auto-estrada, já com um cartaz em riste que “dizia”: Xichang – em caracteres chineses, pois claro. 😉 Aí encontrámos um polícia, o bonzinho que nos tentou ajudar a realizar os nossos intentos, inclusivamente chegou a mandar parar carros e perguntar-lhes se eles íam na direção de Xichang. Infelizmente, não durou muito porque entretanto chegou o polícia mauzinho – “ser superior”, de tromba fechada e óculos RayBan na fuça – que rapidamente acabou com a boa ação do seu subordinado. Quase sem falar, fez-nos um gesto para que nos afastássemos dali e tivemos que mudar de poleiro.
Durante os vinte minutos seguintes e à vez, fomos mostrando o cartaz aos carros que passavam e felizmente passado esse tempo conseguimos apanhar boleia com três rapazes, que seguiam num jipe. Impecáveis, super-simpáticos, divertidos – apesar de não os compreender, foi isso que senti – e excelentes anfitreões.
A viagem foi tranquila e se num primeiro momento apenas se viam terras áridas, de repente tudo mudou e a paisagem passou a ser verde e cheia de água. Porém, nem tal facto chegou para alterar o aspecto das aldeias que fomos observando ao longo do caminho: pequenas, pobres e sujas. Já na chegada ao destino, senti-me qual estrela de Hollywood, quando um dos rapazes me pediu para tirar uma fotografia com ele e sorrindo os dois tirámos o retrato que encerrou a nossa boleia. 🙂
Ato VII – O Caminho de Regresso
Depois da recompensa e das despedidas, a nossa atenção voltou-se para o regresso a Lin Qi ou a Yujin e o nosso primeiro passo foi falar com Johny para saber se ele nos arranjava boleia. Apesar de inicialmente ele se ter mostrado muito renitente – questões de seguros, caso acontecesse alguma coisa de mal – lá o conseguimos convencer. A primeira parte do caminho foi um corta-mato feito a pé entre o pico de Niubeishan (牛背山) e a casa onde almoçáramos três dias atrás, onde o Johnny tinha deixado o seu SUV. Incrivelmente, esta foi a parte mais tranquila.
A segunda parte consistiu na descida entre este local e outra casa semelhante, mas localizada a uma cota inferior. O caminho estava cheio de lama, buracos, curvas apertadas e por isso a velocidade era muito reduzida: 10-15 km/h. Em certo momento o Johny pediu-nos sair do carro e irmos um bocado a pé devido à insegurança da descida. Fruto de um corta-mato que fizemos dentro da floresta, da lama e da neve, desencontrámo-nos dele e tivemos de voltar para trás à boleia numa carrinha de caixa aberta alta. Nessa curta viagem tive uma bela oportunidade para de experienciar novamente o medo, ao ver os precipícios do meu lado da estrada.
A terceira e última parte do caminho começou nessa segunda casa e apenas terminou em Lin Qi. Nesse último troço, saímos ainda do carro algumas vezes devido aos penhascos assustadores e à ausência total de proteções laterais na estrada. Mesmo assim ainda deu para suar um pouco, pelo menos no início do caminho. 😛 A estrada era toda ela de terra batida e a inexistência de placas e indicações, fez com que nos perdêssemos três vezes em cruzamentos. Apesar de tudo e à medida que íamos progredindo (muito lentamente, 10 km/h) o ambiente foi-se desanuviando e deu para apreciar a paisagem que desfilava ao nosso lado: montanhas, verdes vales e o céu azul. No total a viagem durou aproximadamente sete horas, quase tanto como o trekking de subida, e de certo, com muitos mais sustos e percalços do que este.
Niubeishan no Anfiteatro das Montanhas
Ato IV – Nevoeiro, Neve e Bondade
Depois do pôr do sol e da sinfonia celestial, o novo dia nasceu nublado e cheio de nevoeiro, e como o Xiaoling fazia questão de ver o nascer do astro rei em Niubeishan (牛背山), decidimos ficar mais um dia. Sem visibilidade e com a temperatura exterior muito baixa, o frio empurrou-nos literalmente para dentro das tendas. Durante a estadia aproveitei para continuar a atualizar o “diário”, a aquecer os pés e as palmilhas das botas – porque tinha o interior das mesmas húmidas e completamente geladas – e aprender mais um pouco de mandarim. 🙂
Se as expetativas para que houvesse nascer do sol no dia seguinte já estavam baixas, ao final do dia desceram para valores negativos, uma vez que começou a nevar intensamente. O momento alto e memorável do dia surgiu então ao serão pela mão do nosso “gerente hoteleiro”, que para além de nos ter oferecido o jantar, ofereceu-me um maço de tabaco, um isqueiro e bebidas. A bondade destas pessoas é incrível e não pude deixar de me sentir comovido e reconfortado com tanta humanidade e calor. 😀
Ato II – Trekking para o Topo
Acordámos cedo (6.30) para ver nascer o sol e depois de tomarmos um pequeno-almoço reforçado, partimos por volta das 8.00 para o trekking, acompanhados da nossa guia e de um pequeno grupo de cinco jovens chineses.
Deixámos Yujin para trás e fomos percorrendo caminhos em montanha, trilhos junto a riachos (numa passagem entre margens consegui escorregar e cair – mas sem gravidade), passámos por aldeias semi-desertas, campos de cultivo, florestas, terrenos secos, terrenos lamacentos (num desses locais escorreguei e cai de novo de rabo no chão… 😛 ), terrenos gelados e cobertos de neve. À medida que subíamos em direcção à montanha Niubeishan (牛背山) (sem a vermos, contudo) e íamos olhando para trás, o nosso horizonte de picos brancos foi-se alargando progressivamente. O único ponto negativo durante este percurso foi a quantidade de lixo que fui vendo ao longo do caminho (nas questões de ecologia os chineses ainda têm um longo caminho a percorrer).
Por volta das 13.00 chegámos a uma casa à beira da estrada e nessa altura avistámos pela primeira vez o nosso objectivo: o pico da Niubeishan (3666 m). Aí retemperámos forças e almoçámos um belo pitéu. 🙂 Às 14.00 estávamos de volta ao trekking, já sem a nossa guia que entretanto regressou a Yujin, restando-nos apenas escalar a montanha. Aos poucos lá fomos cortando o declive e encontrando o caminho por entre rochas, neve e terra. Houve algumas partes um pouco mais difíceis, mas nada que não se resolvesse com um pouco de tenacidade e preseverança. Atingimos o pico entre as 15.30 e as 16.00 e passado pouco tempo soube que fora o primeiro estrangeiro a atingir tal ponto a pé (informação dada por pessoas que trabalhavam na montanha). Claro que me senti super feliz, nestes momentos o ego é “tramado”. 😛
Ato I – Em trânsito: Leng Qi – Yujin
Depois do Xiaoling me explicar o seu plano num PC de um cyber-café (escrevia em chinês e a internet traduzia para inglês e eu fazia o processo inverso) e de eu mandar uns e-mails a sossegar a minha família, partimos num táxi-mota montanha acima até Yujin (uma pequena aldeia).
Confesso que em certas alturas do percurso tive um certo medo: a mota estava carregadíssima (três pessoas, duas mochilas de campismo e uma mochila pequena), ninguém tinha capacete, a estrada era cheia de curvas, esburacada e tinha pedregulhos nas bermas. À medida que o caminho foi percorrido começaram a surgir árvores com flores de diferentes cores (brancas, cor-de-rosa, amarelas e verdes) entre as quais se deixava adivinhar o vislumbre das neves longínquas e o medo esse, desapareceu, dando lugar ao maravilhamento. 🙂 A aldeia de Yujin encaixa-se bem no meio da montanha e está rodeada com campos de cultivo. Saudaram-nos os rostos sujos e envergonhados das crianças, as anciãs e anciões de cachimbo na boca, as árvores em flor e os picos brancos como pano de fundo, entre eles o todo-poderoso Gongga (7556 m).
Fomos recebidos por uma família. Com eles jantámos uma maravilhosa comida caseira, fizemos serão, bebemos vinho chinês (50 ºC), fumou-se um cigarro depois do jantar e ouviu-se um ditado chinês: “Um cigarro depois da refeição, sabe a nozes”. 😛 Vi os rostos felizes das pessoas à nossa volta, e mesmo não falando ou percebendo chinês adorei este momento. Nele percebi a importância que as refeições têm neste país. A comida como sinónimo de partilha e convívio, estreita os laços da família e a família na China é a chave de toda a cultura. 😀
Este era o dia D, o dia em que me ia encontrar com Xiaoling, embora não soubesse exatamente onde. Quando estava já dentro do autocarro tinha a certeza quase absoluta que tudo ia correr bem, uma vez que o Li pôs o motorista e o Xiaoling ao telefone de forma a combinar o nosso encontro.
A viagem ligou Chengdu a Leng Qi, isto apesar de ter bilhete para Lu Ding. Durante o tempo que durou a viagem (sensivelmente sete horas e meia) aproveitei para escrever no caderno e ao observar a paisagem fui registando o que via: cidades literalmente no meio da vegetação e socalcos de Youcaihua, a planta amarela que está espalhada por toda a província de Sichuan e cujas sementes são utilizadas para fazer óleo de culinária. Quando saímos da auto-estrada a via piorou substancialmente – curvas, buracos, buzinadelas, pessoas a vomitar, o rio e laranjais intermináveis.
Quando cheguei a Leng Qi, o Xiaoling entrou dentro do autocarro para me apanhar e eu saí com ele. 🙂 Foi nesse momento que olhei em volta e vi que estava mesmo numa pequena vila no interior da China profunda.





























