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Ato VII – Esse Louco Alquimista da Natureza

Após o inesperado e bem vindo dia de descanso, era altura de regressar à estrada, porém antes de partir, passei pela última vez pela caravana de Freddy e da sua simpática família. Depois de mais um dedo de conversa e de um café simples, abraçamo-nos calorosamente e despedimo-nos com amizade. 🙂 Apesar do vento forte que se fazia sentir, o dia estava solarengo e poucos minutos depois de ter iniciado a caminhada, parei num pequeno pinhal para tomar o pequeno-almoço.

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Terminada a breve paragem, recomecei a andar, sendo o meu primeiro ponto de passagem a vila de Aljezur, porém e ao contrário do dia anterior, naquela manhã o céu estava azulíssimo e o sol radioso. Progressivamente, o trilho levou-me por estradas alcatroadas e de terra batida, pastagens, eucaliptais e pela urbanização do Vale da Telha. Assim que entrei numa zona mais descampada, tomando a direção da costa e da praia de Monte Clérigos, o vento fez-se sentir com uma intensidade redobrada, sendo os meus passos muito dificultados pela sua ação.

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Nas imediações da bonita praia e das suas múltiplas formações rochosas, esse “louco alquimista da natureza” estava completamente fora de controlo, sendo o trilho até à Ponta da Atalaia varrido constantemente por fortíssimas rajadas salgadas. Aqui e à semelhança de outros locais da rota vicentina, encontrei múltiplos arbustos aromáticos – tomilho, perpétua, alecrim, murta, rosmaninho… – e várias plantas medicinais e comestíveis – espargos bravos, roselha, maios, camarinhas… – depois de uma “luta” titânica que me era impossível vencer, virei costas ao grande oceano e ao “louco alquimista”, seguindo rodeado por estevas, arbustos e pinheiros até chegar à povoação da Arrifana.

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Na chegada, ao falar com uma residente sobre mercearias locais, percebi que na aldeia não existiam opções e que para me abastecer teria de regressar à urbanização do Vale da Telha, a cerca de três quilómetros de distância. :/ Como a senhora estava de partida para esse local e talvez porque tenha percebido o meu cansaço e desapontamento, ofereceu-se para me transportar em ambos os sentidos. 🙂 Graças à sua graaaaaaaande ajuda, em vinte minutos resolvi a questão do abastecimento e novamente na aldeia, dirigi-me para a costa. Estava oficialmente na presença da bonita baía da Arrifana, das suas ondas constantes e das suas “focas” marinhas. 😛

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Acenando um adeus à baía, voltei ao trilho e iniciei a etapa da Carrapateira. Nesse momento, o objetivo era apenas sair do centro da aldeia e assim que encontrasse um local agradável, parar e montar abrigo. Com o vento pelas costas e à medida que os meus passos me afastavam da costa e se dirigiam para Este, os meus olhos depararam-se com o que procurava… um pinhal no topo de uma colina. Perfeito! Sorri. Estava encontrado o local. Agora tinha de lá chegar. Depois de caminhar aproximadamente quinze minutos e no meio de uma pinhal bastante agradável, larguei o monstrinho e comecei a montar o estaminé. Como o local era bastante “aberto” e o vento não dava tréguas, tive que improvisar um abrigo bastante rasteirinho. 🙂 Terminada essa tarefa, era altura de finalmente descansar e me deliciar com o meu repasto: rissol de leitão, pão, queijo, chouriço, banana, sumo e água. Depois de reler um pouco a arte da viagem, os meus olhos começaram a fechar-se, só me restando nesse momento, deitar-me e adormecer embalado pelo assobiar do vento, esse “louco alquimista” da natureza.

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Ato VI – A Família e o “Dia Santo”

Quatro da manhã. “Lá ao longe”, começo a sentir algo húmido a bater-me levemente na cara. Lentamente, volto à realidade e começo a ouvir um barulho intenso. Estava a chover torrencialmente! O vento fortíssimo que anteriormente se fizera sentir, tinha de um modo improvável, acabado de salvar-me do encharcamento total. 🙂 Rapidamente, coloquei a manta de sobrevivência em cima da mochila como proteção e deixei-me ficar, afinal o meu poiso estava protegido. Entre as 4.00 e as 7.30 dormi de forma intermitente, até finalmente me decidir sair do casulo quentinho. O dia estava cinzento, chuvoso e muito ventoso, e depois de ir recolher a roupa ensopada e a tela de nylon molhada comecei a empacotar tudo.

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Nessa altura, voltou a passar por mim um senhor alto com ar simpático, que na noite anterior já tinha metido conversa comigo porque achara curioso o facto de eu ir dormir ao relento, e que me convidou a tomar um chá na sua caravana antes de partir. Já com tudo arrumado, de mochila às costas e com um saco na mão, onde tinha os poucos mantimentos que me restavam – tâmaras, nozes, mel e pão… – dirigi-me à sua moradia. Na zona do toldo, Freddy apresentou-me a sua esposa, Anette e uma das suas filhas, Merriake e depois de me perguntarem o que queria beber, ficámos a conversar durante algum tempo. Quando olhei para o telemóvel, fiquei admirado porque já tinham passado um par de horas e a conversa não dava sinais de abrandamento. Nessa altura, como não me apetecia partir, perguntei-lhes se tinham planos e como estes eram inexistentes, resolvi prolongar um pouco a estadia no parque de campismo do Serrão. Foi assim, que após quatro dias de caminhada intensa, tive um dia santo de descanso. 🙂

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Com essa resolução tomada, aproveitei o forte vento que se fazia sentir para colocar a roupa, a tela de nylon e a manta de sobrevivência a secar, e continuámos a conversar até às 15.00. Nesse tempo, fiquei a saber que: eram alemães; tinham três filhos; desde que começaram a criar a família – vinte e tal anos -, estavam a ter pela primeira vez, um período de descanso mais prolongado, estando na ponta final de oito meses de “sabática”; Freddy era pastor da igreja Prostestante e Anette assistente social; no regresso à Alemanha iriam mudar-se de Frankfurt para Berlim… e abordámos inúmeros temas: sociedade, deus/religião/espiritualismo, viagens, história, trabalho/emprego, ser humano…

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Depois de tantas horas de conversa contínua e construtiva, e de um almoço saboroso que até teve direito a oração, enquanto eles ficaram a dormir a sesta, aproveitei para ir a Aljezur renovar o stock de mantimentos. Com os pés cobertos de compeed, visitei a zona antiga da vila, principalmente o bonito castelo, donde avistei toda a branca povoação, os campos férteis, as várzeas e os montes em redor. Do topo, segui até ao Intermarché onde me voltei a abastecer e terminadas as compras, regressei ao parque de campismo, desta feita por uma estrada de alcatrão serpenteante, sempre em sentido ascendente. Quando estava quase, quase a chegar, o suave sol que iluminou aquele fim de tarde, estava claramente em rota descendente.

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Já de regresso à “mansão”, Anette informou-me que um avião da Germanwings que ligava Barcelona e Düsseldorf se tinha despenhado nos Alpes, sendo altamente improvável que existissem sobreviventes. Mais um desastre aéreo – este viria a saber mais tarde, “poderia” ter sido evitado! :/ Passado uma hora e pouco, Freddy e Merriake reapareceram, sendo o jantar servido pouco depois. Apesar da fatídica notícia, à refeição e ao serão ninguém referiu o assunto, e continuámos a nossa animadíssima conversa, que foi sendo regada com vinho tinto e quase no final, um calicezinho de brandy. 😉 À saída da caravana, Freddy convidou-me para beber um café na manhã seguinte antes de nos despedirmos. Bastante mole e indolente, regressei à zona dos balneários onde voltei a dormir, desta feita com o corpo mais repousado, com a alma mais cheia e o sono mais profundo. 😛

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Ato V – No Arame

Depois de uma noite tranquila e antes de partir da Azenha do Mar, tirei algumas fotografias à zona do porto e à aldeia. Percorrendo verdes e floridas dunas, segui junto àquele mar azul numa manhã realmente primaveril. 🙂 Como sempre a primeira hora da caminhada passou rapidamente e às 8.30 já estava no topo da Ponta Branca, a observar a bonita e enooooorme praia de Odeceixe, onde bandos de gaivotas se banhavam alegremente. Daí e até ao centro da vila tive de percorrer quatro quilómetros de uma entediante estrada alcatroada, sendo a parte mais simbólica a travessia da ponte que une o Alentejo ao Algarve. Quatro etapas da Rota Vicentina concluídas, setenta e cinco quilómetros percorridos. 🙂

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Na pequena vila, aproveitei para comprar mais reservas alimentares e hídricas, e continuei a viagem. Os primeiros três quilómetros, já em solo algarvio, foram pouco interessantes, mas quando cheguei novamente à zona costeira, o circuito da Praia de Odeceixe tornou-se realmente agradável. Já na companhia de um céu cinzento, continuei para sul e entrei pela primeira vez numa etapa do caminho histórico. A verdade é que durante a tarde fui sentindo a falta da paisagem costeira e apesar do trilho seguir junto a um canal de rega bastante singular, os pés e a mochila estavam a matar-me lentamente. 😛 Durante o caminho passei por alguns campos de cultivo, pela povoação do Rogil e algumas zonas de eucaliptos e pinheiros. 

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Quando cheguei ao cruzamento onde começava o circuito da Praia da Amoreira, já tinha andado vinte e sete quilómetros, mas apesar do cansaço que já se fazia sentir e porque o dia estava novamente solarengo, resolvi continuar. Durante o trilho, pensei n vezes em montar abrigo naquele imenso pinhal e deitar-me a descansar, mas como as baterias da máquina fotográfica estavam esgotadas e eu não tomava um banho desde que começara a caminhada em Porto Covo, o lado racional foi vencendo lentamente a vontade imediata. Ao longo do circuito pude observar uma variação bem vincada entre os imensos pinhais e as dunas, onde encontrei muita vegetação e coloridas flores.

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Na chegada à bonita praia da Amoreira, uma vez que o vento soprava de oeste com muitaaaaaaaa intensidade e não existia nenhuma zona abrigada, não me demorei muito. Virando costas ao vento e ao mar, continuei o circuito agora por uma estrada de terra batida, penetrando por uma zona de verdes campos e montes. Quase no final deste longuíssimo dia, fruto de uma subida serpenteante e da qual não via o fim, a minha energia estava praticamente esgotada. No último par de quilómetros, até chegar ao parque de campismo do Serrão, senti-me fisicamente mais no arame, do que no dia em que escalei os 4095 m da Montanha Kinabalu, no Bornéu. Nessa altura, em que a mente puxou o corpo, o pensamento de um banho quente, fez-me continuar a caminhar, até chegar ao meu destino.

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Finalmente, já no parque de campismo, sem a mochila às costas e de havainas nos pés, reparei que pela primeira vez em quatro dias as botas estavam finalmente secas! Huuuuuuuuuuuuuuuuu! Huuuuuuuuuuuuuuuuuuuu! 😀 E que me tinha aparecido mais bolha – a terceira. Antes de poder relaxar totalmente, e apesar do cansaço, tive de cumprir algumas tarefas: montar abrigo – mas como estava tanto, tantooo, tantoooooooooo vento acabei a dormir encostado à parede dos balneários; colocar todas as baterias a carregar – à vez; lavar e estender roupa; tomar banho 🙂 ; comer; dormir que nem um anjinho, fruto dos trinta e quatro quilómetros percorridos. 😉