Prólogo
Da sonolenta e poeirenta capital, “fugi” a vinte pés com destino a Lamalera, uma pequena aldeia piscatória no sul da ilha e um dos únicos locais – senão o único – do nosso planeta onde se podem pescar livremente baleias, tubarões e golfinhos! Apesar da distância não ser longa e uma vez que a estrada estava em péssimas condições a travessia foi demorada, cerca de quatro horas. Durante o trajeto, aproveitei para tirar fotografias ao ambiente, às pessoas e adormeci embalado pela topografia acidentada, pela estrada esburacada e pela música romântica que toca em quase todos os autocarros na Ásia. Ao fim da tarde estava no meu destino e na Abel Bending Homestay encontrei o meu poiso na Terra dos Pescadores.
Ato I – Lumba Lumba
No primeiro dia do ano acordei cedo e depois de um saboroso pequeno-almoço – café, pão com doce e bolo -, quando ia a caminho da igreja vi pescadores na praia a desmembrar dois Lumba Lumba, vulgarmente conhecidos entre nós por golfinhos.
Instantaneamente troquei o “sagrado” pelo “profano” e fui observar este “ritual”. No areal dezenas de pescadores de corpos robustos, secos e extremamente morenos, desossavam com rapidez e eficácia os animais. A carne era vermelha e branca, havendo muitas partes que se assemelhavam à gordura do toucinho e à medida que se amontoavam peças de carne na areia negra, pescadores iam “lava-la” ao mar para uma posterior partilha entre os membros das embarcações que pescaram os golfinhos. A areia estava a ser fecundada com sangue e no ar sentia-se um cheiro forte ao mesmo, a carne e a vísceras. Tudo foi aproveitado e no areal nada ficou, nem sequer as ossadas! Apesar do golfinho ser um animal “simpático”, este “ritual” não me chocou, possivelmente por saber que o mesmo, faz parte da cultura, tradição e modo de subsistência/sobrevivência, destas pessoas tão humanas e tão amistosas.
Quando me estava a despedir dos pescadores fui convidado a acompanhá-los no dia seguinte, e a caminho da aldeia de Tapobali – direção oeste de Lamalera – passei pela igreja da vila. Durante hora e meia caminhei em estilo sobe e desce, estive com crianças e tirei-lhes alguns retratos, senti o sossego, o calor abafado e vi a paisagem envolvente: a vegetação, o mar, as enseadas e falésias de rocha vulcânica negra e castanha. Quando cheguei à igreja de Tapobali senti-me um alien a ser observado, pois estavam cerca de vinte pessoas paradas a olhar para mim, porém passado esse momento “estranho” tudo voltou à normalidade, os pedidos de retratos sucederam-se e foi aí que aprendi a desejar Bom Ano, na língua indonésia – Salamat Tahun Baru. 🙂
De tarde fui até à aldeia de Wulandoni, desta feita parti na direção este. Ao contrário da manhã o caminho era muito mais plano e a topografia suave, existiam algumas praias com areia e o mar esteve sempre visível. Durante o trajeto e devido ao calor, suei, suei, suei e no regresso a Lamalera quase que sonhei com uma cola-cola fresca. 🙂 O primeiro dia do ano foi uma elipse perfeita, pois se começou com golfinhos a serem desossados na praia, acabou com estes no prato ao jantar – a carne era vermelha, um pouco rija, de sabor forte… não foi um manjar inesquecível, mas ficou para a posteridade.