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Niubeishan no Anfiteatro das Montanhas

Ato VI – A Recompensa

Para ir ver o nascer do sol, acordámos por volta das 6.00. Quando saímos da tenda ainda era de noite e havia muitas estrelas no céu. Caminhámos para o ponto mais alto da montanha e aí aguardámos pelo nascer do astro rei, aproveitando para ver o cavalgar do dia perante a noite, e a transformação do céu negro para azul. 🙂

          

Nessa altura tivemos a nossa recompensa. Diga-se, uma recompensa muito aguardada e algo merecida, uma vez que esperámos durante três dias por aquele momento. E o momento não desiludiu, antes pelo contrário! Foi BELO ver o nascer do sol, a multidão que aguardava expectante, a suave neblina nas montanhas da face Este qual uma delicada pintura chinesa, o céu completamente limpo nas montanhas da face Oeste, os reflexos dourados nos grandes picos brancos e nas outras montanhas de faces negras e cinzentas, e claro, ver o pico da Gongga a brilhar em toda a sua majestade e altivez, com uma visibilidade perfeita, perfeita, perfeita! Indescritível! 😀

     

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Niubeishan no Anfiteatro das Montanhas

Ato V – Nevoeiro e Esperança

Ao terceiro dia, a montanha acordou parcialmente gelada e novamente coberta de um manto de nevoeiro espesso e impenetrável. Nesse momento percebemos que era impossível partir e fazer a descida – pelo menos naquele dia. Em conversa decidimos que no dia seguinte, com ou sem nascer do sol tínhamos de deixar Niubeishan, uma vez que aquela seria a terceira noite e estávamos ali completamente em standby. :/

Durante o dia aproveitei para acabar de pôr o caderno em dia e secar as malfadadas botas que teimavam em gelar.  À  medida que as horas foram passando começaram a chegar pessoas à montanha… mais pessoas… mais pessoas… mais pessoas, parecia uma horda a invadir Niubeishan (牛背山). Curiosamente, à medida que a quantidade de pessoas aumentava o tempo melhorava, e a partir das quatro da tarde as nuvens “abriram” de tal maneira que foi possível voltar a ver a paisagem em nosso redor.  🙂

Crateras e montanhasRumei então a uma zona da montanha que ainda não conhecia e na medida do possível comecei a tirar algumas fotografias, uma vez que por esta altura já andava em contenção de bateria. Foi uma boa surpresa quando encontrei Johny e a “amiga”, um casal que conhecêramos no dia anterior. Aproveitei para passar o resto da tarde com eles e para aprender mais sobre fotografia com o Johny, quando a tarde acabou tinha as mãos completamente geladas. 

Iluminações     

O fim do dia foi um espectáculo extraordinário: as múltiplas nuvens, as cores do pôr do sol, as montanhas, a cor do céu… de tal modo que quando a noite caiu vimos pela primeira vez um céu estreladíssimo. A esperança aumentou exponencialmente para o próximo dia. O dia do tudo ou nada!

      

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Niubeishan no Anfiteatro das Montanhas

Ato IV – Nevoeiro, Neve e Bondade

Depois do pôr do sol e da sinfonia celestial, o novo dia nasceu nublado e cheio de nevoeiro, e como o Xiaoling fazia questão de ver o nascer do astro rei em Niubeishan (牛背山), decidimos ficar mais um dia. Sem visibilidade e com a temperatura exterior muito baixa, o frio empurrou-nos literalmente para dentro das tendas. Durante a estadia aproveitei para continuar a atualizar o “diário”, a aquecer os pés e as palmilhas das botas – porque tinha o interior das mesmas húmidas e completamente geladas – e aprender mais um pouco de mandarim. 🙂

Se as expetativas para que houvesse nascer do sol no dia seguinte já estavam baixas, ao final do dia desceram para valores negativos, uma vez que começou a nevar intensamente. O momento alto e memorável do dia surgiu então ao serão pela mão do nosso “gerente hoteleiro”, que para além de nos ter oferecido o jantar, ofereceu-me um maço de tabaco, um isqueiro e bebidas. A bondade destas pessoas é incrível e não pude deixar de me sentir comovido e reconfortado com tanta humanidade e calor. 😀

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Niubeishan no Anfiteatro das Montanhas

Ato III – A Tenda e o Anfiteatro Natural 

Depois de colocar a mochila na tenda e escrever com uma caneta de feltro o meu “feito”, comecei a observar o espaço em redor e reparei que aqui o turismo ainda é bastante rudimentar e primitivo. A estrutura base da montanha é a tenda e tudo gira à volta dela. Tendas “gigantes” a servir de dormitórios, tendas a servir de cozinha, tendas a servir de refeitórios, tendas a servir de latrinas, tendas a servir de central eléctrica… 🙂 Geralmente o dono de uma cozinha é simultaneamente dono de um refeitório e de um dormitório, desta forma podem existir conjuntos que se constituem como unidades separadas, funcionando cada uma dessas unidades como um hotel. 😉

       

Quanto às pessoas que aqui circulam, vêem-se alguns jovens, mas a maioria são homens adultos que sendo ou não profissionais da fotografia o parecem, tal a quantidade e qualidade do material que transportam às costas, nas mãos ou ao pescoço. 😛 O ambiente geral é fascinante, devido à confraternização entre as pessoas e os “fotógrafos”, não se sentindo um ambiente competitivo, mas de partilha. 🙂

      

Passados uns momentos de deambulação na montanha percebe-se o porquê de toda perafernália fotográfica. Esta montanha não tem um pico definido, ou se tem, este é de tal modo largo que mais parece um planalto. Deste modo, ao andarmos pela montanha percebemos que estamos no centro de um anfiteatro totalmente rodeado a 360o de montanhas. 😀 Camada sobre camada, sobre camada, vemos picos, desde os mais próximos – castanhos escuros – aos mais longínquos – brancos… enfim, ESPECTACULAR! 😀 Aqui, se a meteorologia ajudar, pode vislumbrar-se o Paraíso, tal como o momento em que no final do dia vi uma cascata de nuvens a escorrer por entre os picos mais baixos. Belo! Absurdo! Surreal! Uma sinfonia comovente, à qual só faltava mesmo o som. 😀

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Niubeishan no Anfiteatro das Montanhas

Ato II – Trekking para o Topo

O início do trekkingAcordámos cedo (6.30) para ver nascer o sol e depois de tomarmos um pequeno-almoço reforçado, partimos por volta das 8.00 para o trekking, acompanhados da nossa guia e de um pequeno grupo de cinco jovens chineses.

       A caminho (2)

Deixámos Yujin para trás e fomos percorrendo caminhos em montanha, trilhos junto a riachos (numa passagem entre margens consegui escorregar e cair – mas sem gravidade), passámos por aldeias semi-desertas, campos de cultivo, florestas, terrenos secos, terrenos lamacentos (num desses locais escorreguei e cai de novo de rabo no chão… 😛 ), terrenos gelados e cobertos de neve. À medida que subíamos em direcção à montanha Niubeishan (牛背山) (sem a vermos, contudo) e íamos olhando para trás, o nosso horizonte de picos brancos foi-se alargando progressivamente. O único ponto negativo durante este percurso foi a quantidade de lixo que fui vendo ao longo do caminho (nas questões de ecologia os chineses ainda têm um longo caminho a percorrer). :/

Friends      Kiri e Nubeishan

Por volta das 13.00 chegámos a uma casa à beira da estrada e nessa altura avistámos pela primeira vez o nosso objectivo: o pico da Niubeishan (3666 m). Aí retemperámos forças e almoçámos um belo pitéu. 🙂 Às 14.00 estávamos de volta ao trekking, já sem a nossa guia que entretanto regressou a Yujin, restando-nos apenas escalar a montanha. Aos poucos lá fomos cortando o declive e encontrando o caminho por entre rochas, neve e terra. Houve algumas partes um pouco mais difíceis, mas nada que não se resolvesse com um pouco de tenacidade e preseverança. Atingimos o pico entre as 15.30 e as 16.00 e passado pouco tempo soube que fora o primeiro estrangeiro a atingir tal ponto a pé (informação dada por pessoas que trabalhavam na montanha). Claro que me senti super feliz, nestes momentos o ego é “tramado”. 😛

     

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Crónicas Em trânsito Fotografia O 1º Dia

Niubeishan no Anfiteatro das Montanhas

Ato I – Em trânsito: Leng Qi – Yujin

Depois do Xiaoling me explicar o seu plano num PC de um cyber-café (escrevia em chinês e a internet traduzia para inglês e eu fazia o processo inverso) e de eu mandar uns e-mails a sossegar a minha família, partimos num táxi-mota montanha acima até Yujin (uma pequena aldeia).

Confesso que em certas alturas do percurso tive um certo medo: a mota estava carregadíssima (três pessoas, duas mochilas de campismo e uma mochila pequena), ninguém tinha capacete, a estrada era cheia de curvas, esburacada e tinha pedregulhos nas bermas. À medida que o caminho foi percorrido começaram a surgir árvores com flores de diferentes cores (brancas, cor-de-rosa, amarelas e verdes) entre as quais se deixava adivinhar o vislumbre das neves longínquas e o medo esse, desapareceu, dando lugar ao maravilhamento. 🙂 A aldeia de Yujin encaixa-se bem no meio da montanha e está rodeada com campos de cultivo. Saudaram-nos os rostos sujos e envergonhados das crianças, as anciãs e anciões de cachimbo na boca, as árvores em flor e os picos brancos como pano de fundo, entre eles o todo-poderoso Gongga (7556 m). 

Fomos recebidos por uma família. Com eles jantámos uma maravilhosa comida caseira, fizemos serão, bebemos vinho chinês (50 ºC), fumou-se um cigarro depois do jantar e ouviu-se um ditado chinês: “Um cigarro depois da refeição, sabe a nozes”. 😛 Vi os rostos felizes das pessoas à nossa volta, e mesmo não falando ou percebendo chinês adorei este momento. Nele percebi a importância que as refeições têm neste país. A comida como sinónimo de partilha e convívio, estreita os laços da família e a família na China é a chave de toda a cultura. 😀

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Crónicas Em trânsito O 1º Dia

Em trânsito: Chengdu – Leng Qi. Dia D

Este era o dia D, o dia em que me ia encontrar com Xiaoling, embora não soubesse exatamente onde. Quando estava já dentro do autocarro tinha a certeza quase absoluta que tudo ia correr bem, uma vez que o Li pôs o motorista e o Xiaoling ao telefone de forma a combinar o nosso encontro.

A viagem ligou Chengdu a Leng Qi, isto apesar de ter bilhete para Lu Ding. Durante o tempo que durou a viagem (sensivelmente sete horas e meia) aproveitei para escrever no caderno e ao observar a paisagem fui registando o que via: cidades literalmente no meio da vegetação e socalcos de Youcaihua, a planta amarela que está espalhada por toda a província de Sichuan e cujas sementes são utilizadas para fazer óleo de culinária. Quando saímos da auto-estrada a via piorou substancialmente – curvas, buracos, buzinadelas, pessoas a vomitar, o rio e laranjais intermináveis.

Quando cheguei a Leng Qi, o Xiaoling entrou dentro do autocarro para me apanhar e eu saí com ele. 🙂 Foi nesse momento que olhei em volta e vi que estava mesmo numa pequena vila no interior da China profunda.

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Banquete à mesa. Indigestão Informática

Depois dos dois dias desgastantes mas memoráveis em Emeishan, tivemos um banquete no regresso a Chengdu: chá, arroz, galinha picante com amendoins, porco com vegetais, entremeada frita duas vezes e umas batatas finíssimas. Delicioso! 😀 Ainda neste dia e depois de regressarmos ao hostel o computador deixou de trabalhar e Li disse-me que o problema era possivelmente o disco rígido. A ver… nos próximos “episódios”.

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Emeishan. Montanha Budista

Ato II – A Descida e Os Macacos

Antes do nascer do sol, acordei e dirigi-me novamente ao Jin Ding – “quem corre por gosto não cansa” – mas a tentativa de ver nascer o astro rei foi novamente frustrada pelo nevoeiro. Não tão intenso como no dia anterior, pois desta feita era possível vislumbrar a enorme estátua de Samantabhadra no topo, mas mesmo assim intenso. De qualquer modo fiquei feliz por observar que as bandeiras colocadas no dia anterior, apesar de congeladas ainda estavam no mesmo local. 🙂

Ao amanhecer

             Detalhe de uma porta

Por volta das 8.00 começámos a descida num bom ritmo, uma vez que durante a tarde tínhamos de apanhar um autocarro para regressar a Chengdu. Às 10.00 já estávamos no “Elephant Bathing Pool” e depois de um engano no caminho que nos levou para uma rota bastante mais longa, tivemos um infeliz encontro com uma das famosas tribos de macacos de Emeishan. :/

Nesse encontro, o Li foi assaltado pelo “rei” que reclamou posse imediata da sua mochila e de todo o seu conteúdo. Durante meia hora assistimos a um espectáculo de destruição e agressividade! :/ E se ao observar as traquinices dos pequenos símios, não pude deixar de os olhar com alguma ternura, o mesmo não posso dizer em relação ao “rei”! Uma vez que em mais de uma ocasião, senti raiva pelo macaco e o meu instinto era claro, apredejá-lo ou dar-lhe uma “coronhada” com um pau! Felizmente para nós, passado esse tempo – que pareceu interminável – o “rei” fartou-se e de todos os itens destruídos, felizmente a máquina fotográfica, o dinheiro e os documentos do Li passaram incólumes.

      

Sem nada a fazer, continuámos o nosso caminho em direção ao Mosteiro do Pico Mágico (1752 m) e ao Venerável Terraço das Árvores (1120 m). Ao longo do percurso observámos a riqueza natural da montanha e dei graças ao engano que nos fez continuar a descobrir toda a beleza da mesma. Antes de chegarmos ao Pavilhão de Qing Yin (710 m) ainda tivemos mais um “date” com macacos, tentando passar por eles sem lhes dar muita importância, algo do género “vocês aí, nós aqui”, mas mesmo assim um macaquito ainda me saltou para as costas/pescoço quando passei por ele. Uns metros mais à frente, finalmente, percebemos que o problema em Emeishan não são os macacos mas as pessoas que lidam com estes: as que tiram fotografias com eles como adornos; as que os alimentam; as que fazem deles um negócio,  habituando-os à presença humana da pior maneira possível. Resultado? Os macacos tornam-se uns autênticos demónios! :/

Serpente      Flores no mosteiro

Já na fase final da descida encontrámos a parte mais descaracterizada e feia da montanha. A montanha humana e a montanha como negócio e comprovámos que se a ascensão for realizada a partir de Wuxiangang (portão mais distante do Jing Ding) é muito mais dura e difícil não sendo possível realizá-la apenas num dia, uma vez que a nossa descida – trinta e quatro quilómetros – foi realizada em sete horas. Quando saímos da montanha, apanhámos mesmo “à pele” um autocarro que estava de partida para Baoguo, a vila do Teddy Bear hotel e onde deixámos os nossos “monstrinhos”.

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Crónicas Fotografia O 1º Dia

Emeishan. Montanha Budista

Ato I – A Ascensão e o Nevoeiro

Antes da partida para um dos portões de acesso à montanha, eu e o Li tomámos um pequeno-almoço reforçado, desta vez uns noodles bem picantes cheios de carninha e umas bolas de milho de massa pastosa muito pegajosa e consistente. Ainda na vila apanhámos um “táxi manhoso“ – nome pelo qual comecei a batizar os carros privados que fazem transporte de pessoas – que ficou ao mesmo preço de um autocarro público para Wannian. 🙂 Esta é a entrada que fica mais próxima do pico de Emeishan e serve quem tem poucos dias para fazer a ascensão e a descida – que era a nossa situação: apenas dois.

A ascensão do Monte Emei começou às 10.00 a partir de Wannian e daí até ao pico, Jin Ding (Pico Dourado) distam trinta e três quilómetros A surpresa inicial foi a vegetação luxuriante e completamente verde que cobria a montanha, ao contrário de Huashan por onde já tinha passado, muito mais árida, rochosa e de faces escarpadas. Para além dessa diferença e enquanto a Huashan era sagrada para os taoístas, Emeishan é uma das quatro montanhas sagradas do Budismo na China e destas a mais elevada.

A primeira parte da ascensão, a chegada ao Mosteiro da Longa Vida, onde almoçámos por volta das 13.00 com direito a passagem pelo templo de Wannian, não se revelou nada problemática. As dificuldades começaram quando iniciámos a subida para a “Elephant Bathing Pool” (2070 m) e daí em diante, primeiro para o “Jien Hall” (2540 m) e seguidamente para o Mosteiro Woyuen – muito próximo – do Jin Ding. Aí sim! A montanha conseguiu revelar todo o seu poder “destrutivo” e “demolidor” quer em distância, quer em grau de dificuldade. :/ As inclinações bastante elevadas durante longos períodos de tempo e algum gelo nos degraus fizeram com que atingisse o meu limite por volta das 16.30-17.00, quando o cansaço físico e mental era elevado e ao bater com biqueira da bota num dos milhares de degraus palmilhados larguei um F*%&-@$ das entranhas, algo como: estou farto de subir, estou farto da “P#$%” desta montanha!

      

Quando chegámos ao pico (3077 m) cerca das 18.00, estava um nevoeiro cerradíssimo e o caminho dourado não era mais do que um jogo de dourados, brancos e cinzas e os doze elefantes que guardavam a escadaria, a estátua do topo (Samantabhadra) e o enorme templo eram praticamente invisíveis. :/ Para além disso e nessa altura começou a nevar e o vento a soprar com intensidade, o que não ajudou em nada a colocação da bandeira e o encerramento do capítulo roubo – consciência – compensação.

     

A descida para o mosteiro onde dormimos e que ficava apenas a quinze minutos do topo, realizou-se já na penumbra total e envolta num mar de nevoeiro. Quando aí chegámos, deparámo-nos com as portas do templo parcialmente fechadas e com o som de cânticos/surdas budistas, ritmadas ao som de tambores e de um sino, que tocava esporadicamente. Após o fim das orações e de uma espera de quarenta e cinco minutos, lá conseguimos colocar as malas no quarto espartano e principalmente lavar e repousar os pés numa tina de madeira com água a ferver. Às 20.30 já estava na caminha, bem durinha por sinal mas bem quentinha, a dormir o merecido sono dos andarilhos. 😀